♤Capítulo 23♤

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Era como se estivessem vivas.

As paredes contraíam e se dilatavam, como se estivessem em uma busca desesperada por ar; as luzes se debatendo e falhando em um piscar furioso, me deixando engolida no breu por alguns segundos antes de me banhar com uma luz opaca e nada saudável, iluminando meu corpo magro e faminto acostado a porta negra do corredor. O ranger terrível que o piso fazia, como se não suportasse ter meus pés acima dele, faziam com que quisesse me encolher; mas muito brevemente espantei qualquer medo ou insegurança para longe com um manejar.

Precisava ser prática, mais do que isso, precisava ser rápida, se não conseguisse cumprir a tarefa que me fora dada como uma última esperança, não só todo o sacrifício de Amélia teria sido em vão, como os anos de vida que dei teriam sido inúteis. Por isso me odiei quando minhas pernas tremeram, ainda frescas da corrida, guardando na carne o frio que antes me devorava impiedoso.

Inspirei fundo, tentando me lembrar de branco brilhante, de um azul escuro que engolfava, que engolia. Até que estivesse calma, alimentando com o que me restava de energia o sentimento voraz e odioso que me arranhava por dentro.

Era isso. Não havia tempo a perder.

Voltei a correr com minhas pernas fracas e trêmulas, ainda sentindo o pequeno terror e a dúvida de ser esmagada por paredes que respiravam como seres vivos, e o pensamento de que seria uma morte estúpida e dolorosa acariciando minha cabeça conforme meus calcanhares estalavam, fazendo uma bela sonata junto ao zumbido insistente em meus ouvidos.

Quase me perdi sem a ajuda e guia de Jason entre os corredores sem fim, ainda mais agora que se comportavam como uma criança birrenta que se perdera do pai, mas por mais que tenha sido difícil, consegui achar a porta da cozinha. Abri-a em furor, como um furacão, apenas na tentativa de ser veloz, mas com todo um desejo de devastar tudo o que via pela frente.

Tentei ignorar o sentimento de familiaridade e os resquícios parcos de conforto quando olhei para as bancadas de mármore negro sobre os armários. Tentando não pensar em um Jason confortável e despreocupado, um com um sorriso não tão falso, um não tão cruel, enquanto cozinhava pratos deliciosos para mim, as escapulas se movendo sob o colete conforme cortava e mexia com as mãos ágeis e habilidosas de um criador. A cena se desenrolava na minha cabeça e machucava algo em mim, mas logo em seguida me forcei a lembrar de uma noite fria e de terra devastada, nem sinal das ruínas de uma casa, e dos olhos sem vida de uma boneca.

Precisava espantar minha fraqueza, meu desejo tolo e infantil por afeto, minha memória tão fraca para culpa.

Apertei a bocheca funda com os dedos sujos pelas horas em uma floresta abatida, tendo a plena certeza de que haveria uma marca vermelha assim que meus dedos deixassem o meu rosto esmarrido.

Precisava de algo para me defender, mesmo que parcamente, de quaisquer perigos que Jason tivesse dentro das paredes desta casa assombrosa e sem sentido, por isso comecei a abrir as gavetas como uma louca, o barulho dos talheres se debatendo quando puxados não sendo o suficiente para abafar o som da minha ansiedade.

Agarrei o cutelo quando o encontrei. O cabo de madeira escura se destacando entre minhas mãos pálidas quando o virei sob a luz, a lâmina cintilante, o fio tão mais do que qualquer outra coisa, afiado como Jason gostava. Ia fechar a gaveta e voltar a correr em direção ao quarto que guardava o santuário de Amélia, mas um objeto chamou minha atenção.

Era de vermelho vivo e viscoso, assim como as frutas daquela floresta banhada pela escuridão, as que me encaravam em zombaria por meu medo de comê-las, mesmo que para saciar minha fome. E assim como elas o isqueiro pareceu acenar para mim, e, confiando nos meus fracos instintos de alguém que nunca teve que presenciar o perigo com frequência na vida, o enfiei nos bolsos espaçosos do meu vestidos.

Under The Sun • Jason The Toymaker •Onde histórias criam vida. Descubra agora