♤Final Alternativo♤

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Às vezes era difícil observá-lo, ainda, mesmo depois de tanto tempo. Uma guerra era travada dentro de mim todas as vezes em que o olhava, e os homens se digladiavam em pura fúria quando esse olhar era retribuído, ver aqueles olhos não tão falsos, nunca completamente carinhosos, tão frequentemente embebidos em sentimentos cruéis e uma violência impetuosa era minha ruína. Obsessão e posse, às vezes parecia que ele ainda me via como uma criança que podia manipular e paparicar como quisesse. Às vezes parecia que eu realmente era.

Ele estava na frente da lareira, as chamas crepitando e enviando luzes e sombras para seu rosto cor de oliva, os olhos dourados concentrados no pequeno pássaro de madeira que ele esculpia com as mãos ágeis, deixando algumas lascas caírem no chão, outras sendo jogadas no fogo.

A ave se arqueava no poleiro, as asas pendidas e as penas eriçadas. Eu sabia o que isso significava. Era um pássaro doente.

Curiosamente, nenhum dos animais que Jason fazia exalava nenhum tipo de tranquilidade, havia fúria e tristeza, nunca paz. Pensava que remetia ao que sentia em seu interior, as emoções maliciosas que derramava sobre mim repetidamente.

Me aconcheguei mais na poltrona, trazendo o cobertor para perto, descansando a cabeça no vão dos meus joelhos, as pálpebras cansadas, quase se fechando com o clima morno da cabana e com a calmaria que pairava tão perto de mim. As noites ainda eram difíceis para mim, ainda temia a escuridão, as coisas que ela guardava e as que trazia para mim, era frequentemente perturbada pelos pesadelos, sonhava com névoa densa, com uma gaiola vazia, com destruição e morte. Ainda era tudo tão vívido na minha memória, mas eu guardava, lá no fundo, onde ninguém poderia abrir, para não reviver a dor, para não ter que pensar coisas reais demais, verdadeiras demais, tudo era melhor com uma bela mentira, mesmo um sorriso.

Jason era gentil quando não o contrariava. Gostava quando era gentil. Quando acariciava meus cabelos e sussurrava palavras doces em meu ouvido. Meu passarinho, minha garotinha egoísta. Era a única pessoa que me restava, não poderia me dar ao luxo de evitá-lo para sempre. E não o fiz. Talvez devesse.

Meu coração bateu quando me olhou. Ou talvez tivesse pulado uma batida. Eu não sabia dizer o tipo de efeito que ele causava em mim, era forte, arrebatador, vertiginoso, eu era derrubada mais uma vez pela maré, mas me mantive tão fria quanto podia, os lábios crispados e os olhos calmos. Mentindo para mim mesma, e com sorte para ele também.

Então Jason sorriu para mim. Aquilo me destruíu. Minha fachada foi levada embora com a facilidade de um temporal, franzi o cenho, confusa, irritada, comigo, com ele, com tudo. Pisquei diversas vezes quando ele se levantou, deixando o pássaro de lado. Quis me desfazer de repente, extasiada com a possibilidade de que fosse me tocar, ansiando o peso das suas mãos frias e delicadas na minha pele frágil, ansiando pela sua falsa amabilidade e seu carinho frígido, ansiando que se afastasse e fosse embora, que me deixasse em paz, que me deixasse livre.

Às vezes me perguntava se estava louca.

Ele estendeu a mão, completamente satisfeito consigo mesmo, porque sabia como me desmontava, porque sabia que era terrivelmente bonito, terrivelmente encantador, os dedos se abrindo com lentidão como se fizesse parte de um show. Eu hesitei por alguns segundos, eu sempre hesitava, mas no fim acabava aceitando-o de qualquer maneira, deixando que fizesse o que quisesse comigo. Pus minha mão na sua, vagarosa, ainda sonolenta, os pensamentos ainda enevoados, por ele, pelos pesadelos, e ele não poderia ser mais gentil.

Ah, como eu adorava e odiava a maneira com que me tocava, me segurando com afinco e com sua infinita delicada, como se cuidasse de um pássaro doente. Meu passarinho.

Jason me levantou da cadeira, meu cobertor caiu no chão. Senti frio, estavamos no meio de um inverno rigoroso na Noruega, o lagos, gigantescos e exuberantes, estavam congelados em camadas grossas e impenetráveis, nem mesmo a roupa mais quente poderia me aquecer, tivera a impressão. Ele pôs as mãos longas e elegantes em minha cintura fina demais, devagar, como se degustasse, então se sentou na poltrona, me puxando para seu colo.

Foi instintivo, primeiro me afastei, assustada, sempre assustada, mas ele me acariciava com apreço, sussurrando palavras de consolo e alento, insistindo que jamais iria ser machucada novamente, que tudo estava bem. Meu corpo, antes duro, se amoleceu aos poucos sobre o dele, minha cabeça se deitava em seu peito enfeitado, minhas pernas se entrelaçando nas suas, calmaria muito antes de uma longa tempestade. Já me acostumara em me afogar.

Observei o fogo crepitar por algum tempo antes de levantar minha cabeça para olhá-lo, o rosto dele estava próximo. Seu rosto estupidamente bonito. Quantas vezes já quis socá-lo até que não fosse mais tão bonito assim... Ele sorriu, como se soubesse o que pensava.

- Minha garotinha mimada e violenta... - Ele sussurou, a voz rouca, enterrando o rosto em meus cabelos, tão próximo do meu pescoço, me respirando, os lábios raspando tão próximos do meu colo. Um suspiro me escapou antes que pudesse agarrá-lo, ele riu sobre mim com um tipo diferente de divertimento.

Senti meu rosto esquentar, envergonhada até os ossos. Ele apertou ainda mais, resquícios de sua possessão e necessidade de afeto, seu medo terrível de abandono. Mas não me importava com isso quando me segurava dessa maneira, não me importava com nada.

Ele beijou meu colo antes de se afastar, me retorci, me partindo em arrepios. Seu rosto estava calmo, com os poucos vestígios de humanidade que eu parecia constantemente buscar nele, uma suavidade branda, mesmo que ainda conseguisse ver crueldade em seus olhos dourados. Seus lábios tocaram os meus, e novamente, me afastei antes de me aproximar, com sede, com culpa, mas destruída demais para dar atenção à minha consciência, a qualquer coisa que fosse minimamente correta.

Ele me beijava com carinho, com cuidado para não me assustar, para que não me afastasse novamente, me segurando para garantir que não o fizesse. Eu retribuía como podia em meio aos meus devaneios, nada do que já experienciei na vida me preparou para esse momento. Jason era diferente demais dos homens que já conheci.

Choraminguei quando se afastou. Novamente fui encoberta pela vergonha. O que estava fazendo?

Não tive tempo para pensar em mais nada antes de ele morder minha clavícula, com um pouco menos de leveza do que costumava usar, causando reações diferentes em minha mente torpe, me agarrei mais a ele. - É minha, Sófia. - Ele me mordeu novamente, os caninos pontiagudos fazendo arrepios descerem até os lugares mais profundos do meu corpo. Inconscientemente, lágrimas queriam transbordar dos meus olhos. Não sabia porquê chorava, mas ao mesmo tempo sabia tanto que me machucava. - Sempre foi, e será até o dia que eu decidir que não é mais. - Ele então me beijou, bem no lugar onde me mordeu, como se pedisse desculpas por ser agressivo, mesmo que suas palavras magoassem bem mais que suas ações.

Jason me abraçou mais uma vez e eu me encolhi contra ele.

Eu tinha perdido. Qualquer que fosse o jogo que estivéssemos jogando, a batalha que estivéssemos travando, eu tinha perdido.

Eu era incapaz de odiá-lo.

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Jason e Sófia estão em uma cabana na Noruega, um lugar inóspito e afastado, curtindo as férias deles.

Tentei fazer uma saliência, mas sou pura demais para esse tipo de coisa. (A verdade é que eu não acho que esse tipo de coisa combina com o Jason.)

E esse foi o fim, o fim definitivo.

Under The Sun • Jason The Toymaker •Onde histórias criam vida. Descubra agora