♤Capítulo 9♤

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Eu estava sentada naquela cama há alguns minutos, não me mexi nenhuma vez desde então, ainda estava chocada, encarando as paredes como se visse demônios e espíritos, mas eram apenas flores e cômodas, às vezes olhava admirada paras as centenas de pétalas dispostas orgulhosas na hortênsia do criado mudo, vendo como elas iam de branco para azul e verde, contendo minha vontade infantil de arrancá-las, uma por uma, e encher os bolsos com sua maciez e perfume. Eu escutei, de fato, a porta sendo aberta, escutei os passos mansos, a respiração baixa e cortante, mas não virei para procurá-lo, não precisava, não queria.

Senti a carne das minhas coxas esquentar. Olhei para a bandeja que ele pôs nas minhas pernas e então para frente, mas ele já não estava mais ali.

Ele não comia, foi o que descobri quando era pequena, não precisava, pois não era humano, mas ainda assim trazia para mim, pois sabia que eu precisava, não me surpreendi quando olhei para baixo e vi todos os meus pratos favoritos. Camarão, molho branco, arroz à grega e saladas, a comida ainda parecia fumegar. Como ele havia trazido aquilo até ali? Eu não fazia ideia, até certo ponto não me importava. Mesmo com meu estômago protestando e meu corpo falhando e a fome me engolindo por dentro, não tive vontade de comer, sabia que tudo o que pusesse na boca teria gosto de cinzas.

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Ele voltou depois de um tempo, entrando sem bater, elegante e gracioso, com a sombra de um sorriso nos lábios, mas parou quando chegou perto da cama, os pés a poucos centímetros dos meus. Jason olhou para o prato ainda cheio nas minhas pernas, então para mim, e de novo para o prato. Ele estava começando a perder a paciência, percebi, quando respirou fundo e algumas rachaduras piscaram em sua pele, mas logo desapareceram. - Não vai comer, Sófia? - Meu nome, assim na sua boca agora, parecia um insulto.

Não respondi.

- Achei que estivesse com fome. - E estava, morrendo de fome. - Trouxe tudo o que gosta. - E isso só tornava as coisas muito piores.

Jason se aproximou mais, voraz, agarrando meu rosto entre as mãos cruéis e frias demais, me forçando a encará-lo nos olhos. - A não ser que já tenha engolido a própria língua. - Seus dedos me apertaram um pouco mais antes de me largarem em furor, Jason se sentou, bufando, deixando que eu me tremesse atrás dele. Ele resfolegou, grunhindo como uma besta raivosa, trancafiada no fundo de uma cela, pronto para arrancar as mãos de quem se aproximasse e ousasse estendê-las.

Jason tomou o prato das minhas pernas, agarrou a colher de sopa que antes vazia estava agora coberta de arroz e mirou os olhos dourados em mim, dourados como o sol, frios como ouro, se controlando para não deixar nenhuma parte sua apodrecer, o cabelo brilhando em prata e vermelho. - Abra a boca. - Ele não tentou ser gentil dessa vez, mesmo que, essencialmente, não estivesse fazendo nada de errado, conforme as palavras duras vinham em minha direção, chacoalhando medo e angústia para fora de mim, com uma sirene de perigo ressoando por todo o meu corpo, percebi que se não comesse agora, Jason iria arranjar outro jeito, um doloroso, de fazer aqueles nutrientes entrarem no meu organismo.

Seu olhar furioso se encontrava com o meu, cólera se esgueirando em cada traço do seu rosto, no franzir das sobrancelhas, na curvatura dos lábios, no cerrar das pálpebras, e então, tão submissa quanto poderia ser, abri minha boca, as mãos ainda tremendo, recostadas nas minhas coxas magras, doentes, fazendo esforço para não fechá-la, ainda sentindo a marca de seus dedos nas minhas bochechas apáticas. E ele enfiou a colher, goela abaixo, o metal batendo naquela carne macia e molhada, senti gosto de ferro, senti a comida, que já estava fria em seu prato, se revirar entre língua e dentes, com dificuldade, com desalento, fiz um esforço para engoli-la, ela descia pela minha garganta como carne de um defunto, mas assim que chegou no estômago, aquela sensação de saciedade, a euforia daquele preenchimento, com tudo isso, a fome que me devorava da cintura para cima não conseguia mais se controlar, meu coração trovejava, ansioso por mais comida.

Jason ergueu a colher, cheia de novo, e eu me deliciei com o cheiro do molho e da carne, ouvindo minha barriga protestar. Ele não precisou forçar o talher desta vez, eu o agarrei, ávida, esperando pela próxima, e por outra e outra, e quando Jason se recostou na cadeira com um ar satisfeito, com um prato vazio entre as pernas, talvez se lembrando de como eu me inclinava em sua direção como se ele algum tipo de Santo, com olhos famintos, tudo o que passava pela minha cabeça, era que agora não sentia mais fome.

Under The Sun • Jason The Toymaker •Onde histórias criam vida. Descubra agora