A Dama de Mármore

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Já faz muito tempo que me acostumei a ter de ficar sem energia elétrica. Eram ocasiões raras, vá lá, mas aconteciam. E, sempre que aconteciam, eu vasculhava a casa procurando por qualquer coisa que servisse de distração. E até que eu encontrava. Certa vez achei no sótão um magnífico estojo de ferramentas para consertar navios. Um detalhe: havia também algumas peças que, segundo a minha avó, pertenceram ao próprio Titanic! Eu me lembro muito bem do quanto que eu fiquei maravilhado com a descoberta na época. Hoje, embora já tenha passado tanto tempo, ainda me sinto inclinado a bisbilhotar no sótão e nos quartinhos-de-bagunça da casa de minha avó a fim de ter mais descobertas.

É onde estou agora, inclusive. Minha noiva e eu iremos fazer uma prova em outra cidade, que por uma feliz coincidência é a mesma em que minha avó mora, e onde passei grande parte da minha infância brincando de detetive. Minha avó, embora já tenha certa idade, insiste em morar sozinha. Não obstante, num casarão longe da família. Não adianta querer discutir, porque ele nunca cede. "Meu lugar é aqui", ela diz.

Chegamos ontem, e a recepção que tivemos de minha avó não poderia - em uma certa medida - ter sido melhor. Segundo os meus cálculos, já fazia três anos que eu não a via. Apresentei-lhe Helena, que recebeu um curioso olhar. Aprovação? Reprovação? Não consegui entender no momento. Depois, fomos tomar o café da manhã. Nessa hora, eu não pude deixar de me queixar:

"Vó, não tem ninguém pra lhe ajudar nos serviços da casa? Não vi a empregada até agora."

Ela respondeu:

"Não se preocupe, meu neto, porque eu não preciso de ajuda. Ainda consigo dar conta de tudo."

Encarei Helena, que sorriu para mim. De fato, a casa não pecava em matéria de limpeza. A madeira da escadaria refletia a luz como um espelho, e o mogno do piso estava mais lustroso do que nunca. E, é claro, a comida era excelente.

Durante o almoço, minha avó agiu estranhamente. Quando Helena soltou, bajuladora, breves comentários a respeito da receita de Tiramisù da avó dela "só não é tão boa quanto a da senhora", minha avó apenas a encarou com um olhar fixo, a boca trêmula hesitante em tentar esboçar um falso sorriso. Além disso, depois de comermos, mesmo sob a pressão das insistências de Helena para deixá-la lavar os pratos ou prestar qualquer outro tipo de auxílio, minha avó preferiu dispensar a ajuda. Acabamos indo para o quarto, deixando-a só na cozinha.

"Por que ela recusa tudo? Parece que quer mesmo ficar sozinha", comentou Helena um tanto impaciente.

"Ela não era assim, pelo que eu me lembro. Ela costumava dividir essa casa com toda a nossa família, sabe? Mas ela foi, aos poucos, se isolando cada vez mais de nós à medida que meu pai e meus tios foram formando suas próprias famílias. Eu acredito que ela até hoje é ressentida por termos ido embora".

"Ué, mas vocês não simplesmente a abandonaram, não é?", quis saber Helena.

"Claro que não. Meus pais e meus tios até hoje fazem muitos convites pra ela vir morar com algum de nós. Mas ela não quer, o que podemos fazer?"

"É, eu entendo..."

Ela hesitou um instante, então disse:

"Me desculpe pelo que eu vou dizer agora, mas eu acharia bem melhor se a gente tivesse ido pra alguma pousada. Não sei, não estou me sentindo bem aqui."

Olhei nos olhos dela e sorri.

"Meu amor, fique tranquila. Minha avó tem o jeito dela de lidar com as pessoas, não acho que queira dizer que ela não quer a nossa companhia. Eu admito que também estou achando um pouco estranho, mas não deve ser nada."

"Será que ela está magoada, como você disse?".

"Acho que não. Afinal, eu não saí daqui porque eu quis. Eu adorava morar aqui, era sensacional quando acabava a luz."

A Dama de MármoreWhere stories live. Discover now