26. O Protetor

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::FERNANDO::

A escuridão que cobria o mundo do lado de fora do tem parecia ainda mais tenebrosa pela chuva. O movimento do trem, aliado ao esgotamento que sentia, contribuía para que minha mente parecesse alucinar com as sombras que pareciam mover-se como seres ao meu redor. O licor de véstia servira para me dar um pouco mais de lucidez, mas a força ainda era sobrepujada pelas feridas causadas na briga com os olions, meu corpo repelia o icor de suas garras, enfraquecer ou me entregar naquela situação era inconcebível. Anjos protetores não dormem, quando acontece é um claro sinal que seus protegidos estão em grave risco. O fato de não conseguir sentir Andrea me dava um alerta de que a estava perdendo e não podia permitir.

Sentia um estranho frio que parecia congelar-me os ossos, a espinha dorsal rija e as asas apelando por uma liberdade que não podia conceder. Impaciente, ergui-me e saí da cabine indo na direção do corredor longo do trem, ainda chovia torrencialmente, as árvores que ladeavam a estrada de ferro passavam como esqueletos de borrões sombrios na noite escura. Lembrei-me de Aneliese, seu vigor e vitalidade, vivemos mais tempo juntos que em qualquer outra vida dela, pensei por um momento que realmente seria capaz de salvá-la a despeito de todos os acontecimentos. Andrea tinha apenas alguns traços dela, era mais passiva, um pouco mais tranquila ainda que igualmente intensa. Meu coração comprimiu-se dolorosamente dentro do peito, tinha comigo a sensação de que não conseguiria salvar sua alma, outra vez.

::ANA::

Os sons pareciam distantes, ainda confusos demais para que conseguisse diferenciá-los e identifica-los. Meu corpo era levemente balançado para os lados e algumas vozes ecoavam longe como se estivessem muito acima de mim. O torpor em meu corpo ia consumindo meus sentidos vagarosamente, a cabeça pesava tanto que parecia haver uma rocha sobre ela, estava paralisada, incapaz de mover o corpo. Lentamente, meus olhos se abriram, tinha consciência de estar em um lugar pequeno e escuro, ainda que não conseguisse focalizar com nitidez enquanto a consciência voltava lentamente ia me dando conta que estava em uma van, amarrada em uma espécie de maca com braçadeiras de couro que machucavam minha pele conforme me movia.

Estava escuro, o teto da caminhonete tinha relevos entrelaçados formando desenhos desconexos e geométricos, ao meu lado iam dois homens vestidos de branco, conversavam baixo entre si em uma língua que não conseguia reconhecer. Um odor desagradável de enxofre e carne podre enchia o veículo me causando náuseas cada vez maiores ao ponto que cheguei a vomitar sobre mim mesma. Os homens murmuraram uma imprecação e desajeitadamente um deles começou a me limpar, minha cabeça doía e pesava violentamente até que desisti de me manter acordada e deixei minha vida nas mãos da sorte entregando-me mais uma vez à escuridão.

Levou um tempo até que voltasse a mim. Meus olhos desacostumados com a claridade demoraram a entrar em foco até eu conseguir ver o teto de gesso sobre minha cabeça, o cheiro de enxofre misturava-se agora com um odor forte de clorofórmio, água sanitária e sangue. Virando a cabeça percebi que ainda estava presa à cama, as braçadeiras de couro cortavam minha pele com violência, uma sensação de desespero começou a me dominar. O quarto era pequeno, havia uma janela fechada por grades de onde uma claridade pálida preenchia o cômodo, as paredes eram brancas e sem adornos, em um canto havia uma pia de cerâmica e um espelho, ao lado dela um vaso sanitário e uma bacia. Rente à parede, no rodapé, uma crosta parecida com ferrugem crescia, a tinta estava descascando e o espelho estava todo sujo, me limitei a não gritar por socorro, ninguém ajudaria, meus próprios pais me enviaram para lá, preferiam me infligir o tormento de viver presa sem estar louca a admitir que eu tinha o direito de escolher quem deveria amar.

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