37. Crescendo

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::FERNANDO::

Nada podia se comparar ao que aconteceu naquele momento. O que eu senti ao ver aquela menina era algo impossível de se pôr em palavras e, do mesmo modo, o martelar do meu coração, acelerado e doloroso, encontrava-se sem identidade ou qualquer espécie de compreensão lógica.

Minha primeira reação — após o espanto gélido que me percorreu o corpo — foi afastar-me da criatura. Por alguma razão algo me dizia que olhar para ela era errado e o evitava de todas as formas, a luz que emanava dela, e certamente era imperceptível para os pais e os mundanos, brilhava de uma maneira que nunca antes eu vira, em nenhum anjo, em nenhum mortal, em nenhum ser vivente no universo. Não havia uma explicação para o que ela seria ou a razão para a qual era tão perigosa para os anjos, mas certamente havia uma razão para o Criador olhar de modo especial para ela e, indubitavelmente, isso não queria dizer que era nos fazer cair. A atração que ela exercia era irresistível tal qual o pecado para os mundanos, ela era a nossa forma concreta de mal.

Ainda assim, enquanto refletia me lembrava do quanto havia em jogo. Se eu falhasse, meu irmão seria condenado, teria suas asas arrancadas e seria expulso do reino celestial como um demônio. Seu nome nunca mais seria pronunciado na corte celeste e, a partir desse momento, ele seria meu inimigo. Eu estaria destinado a destruí-lo. Isso era algo que eu não poderia permitir, uma existência com esse peso em minha consciência era inconcebível e seria muito pior que qualquer morte. Naquele mesmo dia, enviei meu relatório acerca da situação, não fui insincero, disse que a menina realmente tinha algo especial embora não me detivesse a entrar em detalhes minuciosos acerca disto, entretanto, fui enfático em garantir que ela não me representava — e nesse ponto exclamei ao Criador por perdão ao mentir — perigo nenhum para mim e que seguiria como seu guardião. A partir daquele instante, com a minha decisão tomada, o encargo que me foi confiado tornar-se-ia meu até então maior desafio e, mesmo que eu não soubesse, meu maior fracasso.

Não havia muito o que fazer, a princípio. A rotina de Aiko era muito simples, ela acordava por volta das sete da manhã, a mãe a alimentava e deixava-a no berço enquanto cumpria os afazeres domésticos, ela era uma criança tranquila, entretia-se facilmente com qualquer brinquedo que lhe fosse dado. Procurava ficar atento a sinais de perigo — pouco prováveis para aquela região — ou qualquer coisa que devesse ser observada e merecesse, de maneira natural, minha intervenção sem afetar o destino da menina. Mas nunca, em nenhuma hipótese, eu olhava para ela sem que fosse absolutamente necessário. Fazer isso seria como me autocondenar e, simultaneamente, condenar meu irmão.

Contudo, não podia deixar de me fazer curioso a respeito daquela estranha criatura. Não havia dúvidas acerca de sua humanidade, e, afora o esplendor de seu espírito, nada denunciava alguma "sobrenaturalidade" nela. Aquilo inquietava-me bastante e conforme eu a observava crescer — alheio a qualquer tempo ainda que procurando acostumar-me com ele — uma espécie de fascínio irracional insistia em crescer dentro de mim. Ao completar dez anos, os pais de Aiko voltaram ao Japão readquirindo sua casa original e retomando não seus antigos empregos, pois era impossível fazê-lo, mas conseguindo cargos semelhantes principalmente devido a sua experiência no exterior. A menina começou então a frequentar a escola, tardiamente, mas com desenvoltura, pois mesmo não frequentando aulas regulares na Irlanda, aprendeu fluentemente o Irlandês com o convívio e o Japonês com os pais.

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