27. Não se lembre de mim

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::ANA::

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::ANA::

Não havia muita gente, mas ainda era bem mais do que eu esperava ver ali. Eu não tinha contato com os amigos do meu pai, ele era sempre tão fechado que fiquei até surpresa por saber que ele tinha amigos, pensei que a antissocialidade fosse genética. Pelas circunstâncias em que o corpo dele — se é que dava para chamar assim ainda — se encontrava, achou-se por bem enterrá-lo logo, não havia quem lhe prestasse últimas homenagens e não havia nenhuma esperança de que ele pudesse, de algum modo, estar vivo. Juliana estava ali, parada ao meu lado olhando estranho para Fernando que, parado do meu outro lado, colocara o braço sobre meus ombros. Desde nossa conversa na noite anterior além de uma péssima noite de sono enquanto repassava várias vezes as palavras dele, eu não consegui parar para avaliar como seria minha vida dali por diante. Se o que ele dizia era verdade, eu estava no meio de alguma coisa, havia pessoas — ou coisas — tentando me matar e todas as pessoas à minha volta estavam em perigo.

E como se todos os meus problemas não fossem suficientes, minha mãe estava a caminho. Aquele era, sem dúvida, um dos meus piores pesadelos. O padre disse algumas palavras que não ouvi, me sentia de tal forma entorpecida que não conseguia sequer chorar, olhava tudo á minha volta como se a qualquer momento fosse acordar na minha cama e descobrir que tudo aquilo era um sonho ruim, meu coração batia tão lentamente que eu chegava a pensar pararia a qualquer momento, olhava as pessoas ali, eram mais ou menos trinta, mas não conseguia ver ninguém de verdade, tudo que povoava a minha mente era a imagem do meu pai, o quarto, a mensagem a sangue na parede, o caos e aquele monstro. O caixão foi baixando lentamente dentro da cova, mas a imagem não fazia sentido para mim, pessoas jogaram flores lá dentro, a areia começou a ser colocada, era uma sepultura simples feita no sítio dos meus falecidos avós, mais especificamente no cemitério desse sítio, uma vez que não tinha dinheiro para pagar a sepultura e era vontade dele ser enterrado onde os pais foram. Uma cruz de madeira, bem simples, com o nome dele pintado com tinta azul foi posta no lugar, coroas de flores colocadas sobre a areia úmida e as pessoas passando e tocando em meu ombro, falando coisas que eu não ouvia, indo embora quando eu mal podia sentir meus músculos.

— Ana? — A voz de Juliana sobrepôs-se ao meu estado de letargia. — Vamos pra casa, você precisa descansar.

— Não quero ir pra casa. — Balbuciei como se as palavras se escolhessem sozinhas. — Não tenho casa.

— Ana... — A pena na voz de Juliana me fez sentir pior. Sentia-me tão fraca e cansada como se o mundo tivesse se tornado um teste de matemática e eu não tivesse visto nenhuma aula. — Pode ficar comigo, sabe disso.

Não respondi. Meus olhos continuavam fixos no túmulo recém cheio, na cruz torta de madeira que se mesclavam em minha mente com as palavras de Fernando na noite anterior quando todo o meu mundinho particular desmoronou diante de mim e não sabia o que fazer ou para onde fugir. "Tem ideia do que é um ritual de crucifixão? É o tipo de dor inimaginável para um ser humano. Agonizar durante três horas com pregos enfiados no seu corpo em uma madeira que te corta a pele e tudo que te dão pra beber é vinagre." As imagens iam se formando na minha cabeça, eu observava o homem pregado ali, um banho de sangue caindo das suas feridas abertas, pregos enterrados em sua carne, sozinho, ferido... o dedo de Fernando passou pelo meu rosto com delicadeza e foi só então que percebi estar chorando.

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