I

105 10 5
                                    



A lua cheia ilumina as árvores e carros que passam rapidamente ao lado de Samuel Nara. Para ele era apenas uma noite normal de quinta-feira se não fosse pelo detalhe de estar sendo perseguido por um ser largo e veloz.

- Que merda, esse maldito já está na minha cola a uns 3 quilômetros e ainda não cansou.

Por sorte Sam é um bom atleta, corria cinco vezes por semana e tinha o fôlego de um maratonista, mas o seu perseguidor não desiste. Sam tenta se afastar do ser corredor, sempre olhando para trás e constatando que o outro estava cada vez mais próximo dele.

- Vamos lá, está faltando pouco. - As pernas de Sam latejam de dor e o suor de sua testa escorre lentamente. Ele já havia perdido a noção dos minutos que passara preso naquela fuga e questionava-se quanto tempo de fôlego seus pulmões ainda o dariam.

Ambos estavam correndo no meio de uma avenida, não entre os carros, mas sim onde elas se separam, definindo um sentido do outro. Sam podia ouvir a respiração ofegante do seu perseguidor e isso o motivava cada vez mais a se distanciar dele.

- Acabou  - Sam pensou ao ver que um caminhão estava parado exatamente aonde o caminho continuava, ele se virou, e ofegante disse. - Eu disse, eu sabia que eu ia ganhar. - Sam estampou um grande sorriso no rosto.

- Foi por pouco e você sabe disso. - O perseguidor limpou o suor dos olhos e tomou um pouco de ar.

- Por pouco? - ironizou Sam. - Deixe de ser mentiroso Ron, nem em mil anos você conseguiria me alcançar.

- Quanta modéstia da sua parte. - Ron colocou as mãos na cintura e fez um alongamento rápido.

- Os vencedores devem se vangloriar. - Sam passou a mão no cabelo e o jogou para trás tirando-o da testa.

- Que tal a gente ir tomar uma cerveja Sam?

- Eu prefiro um café. - Sam não costumava desperdiçar a chance de se embebedar, mas naquele momento viu que isso não era preciso.

- Está certo então - Diz Ron. - Uma breja pra mim e um cafezinho pra dama.

- Vai se ferrar Ron - Sam deu uma leve risada. - Além do mais, acho que você deveria parar de beber um pouco, porque se não as mulheres não vão aguentar ficar embaixo dessa sua "barriga de chope"

- Fique quieto Sam - Ron disse dando uma leve batida na barriga. - Gordo ou magro o neguinho aqui faz um estrago com as moças.

- Se você diz quem sou eu pra discordar.

Os dois andaram uns 30 metros até chegarem ao carro de Ron.

- Olha só - Sam estava surpreso. - Quem diria, você finalmente conseguiu estacionar seu carro sem ferrar com a pintura.

- Mais uma piadinha dessa e eu vou ferrar com a sua cara - Ron Abriu a porta do carro e pegou a carteira no porta-luvas. - Vamos logo pegar esse seu café.

- Ah sim - Sam estava se admirando no espelho retrovisor do carro e nem se dera conta no que havia dito.

- Oh Cinderela, dá pra parar de retocar a maquiagem e apressar o passo um pouco.

- Relaxa Ron - Sam deu uma última ajeitada em seu cabelo liso que estava caindo na testa. - A cafeteria é logo ali, e tem um bar no fim da esquina.

- Tudo bem, mas a minha garganta já está seca há muito tempo e não quero essa sensação nem mais por um minuto. - Ron fechou a porta de seu carro lentamente e passou a mão na lataria recém-pintada.

Em dez minutos ambos já haviam comprado as suas bebidas e agora estavam sentados perto do carro de Ron.

- E então Sam, como está sendo os seus últimos dias de férias?

- Bem, está sendo normal sabe, mas eu estou pensando em pedir demissão. - Sam deu um gole seco em seu café e queimou levemente a língua.

- Demissão? - Ron se surpreendeu, Sam sempre gostou do seu emprego de redator e agora sem nenhum motivo aparente está com essa ideia de pedir demissão, tem coisa aí, Pensou Ron dando uma golada na sua cerveja.

- Sim - Ele disse olhando para dentro de seu copo e vendo o seu rosto ondulando no reflexo da bebida negra. - Eu cansei daquele lugar, sabe fazer as mesmas coisas todo dia enjoa.

- Você pode mudar de setor, o que acha?

- Não - Respondeu Sam com uma voz doce, mas com certo rigor. - Eu estou pensando em mudar de profissão, sei lá virar um tatuador, ator de teatro, artista de rua. Não importa, só sei que quero sair daquele lugar.

- Mas e o pessoal do escritório cara? Todo mundo lá gosta de você. - Ron deu outra golada e quase engasgou. - E você sabe que se depender dos seus dotes artísticos você vai é morrer de fome.

- É eu sei, mas eu manterei contato. - Ele ainda estava hipnotizado com a sua face refletida no copo, aquilo trazia uma sensação familiar para ele. Ele se lembrava de quando ia para a casa de sua avó, e passava horas na beira do lago, apenas observando as ondulações.

- Manterá porra nenhuma. - Ron conhecia Sam como ninguém, e sabia muito bem que Samuel Nara era mestre em sumir sem avisar.

- Eu prometo. - Disse Sam com um sorriso no rosto, desta vez olhando para Ron.

- Cara você anda meio estranho depois que você terminou com a Michelle esse papo de mudar de profissão é por causa dela?

- Ela não tem mais nada a ver comigo - Sam se alterou um pouco. - Mas os meus pesadelos voltaram depois que eu terminei com ela.

- Merda cara, você tem que contar isso pra sua psicóloga. - Ron estava preocupado, pois conhecia Samuel há cinco anos e a única coisa que fazia os constantes pesadelos dele cessarem era Michelle.

- Sim e dessa vez estão piores - A voz de Sam fraquejou nas duas últimas palavras. -Já estou há três dias sem dormir.

- Você tem que parar com isso, ficar sem dormir só vai te deixar mais fraco. - Ron acabou a sua cerveja e lançou a sua garrafa para cima e a viu se espatifar lentamente no chão.

- Mas dormir e continuar com aqueles malditos pesadelos vai me levar a loucura. - Sam lentamente deu a última golada no seu café e ficou de pé.

- Já sei - Exclamou Ron e cambaleante ficou de pé também. - Nesse final de semana tem uma festa de um primo meu o Richard, a gente vai lá e quem sabe você não encontra uma garota pra você.

- Tudo bem disse Sam - Na verdade ele nem se importou com a ideia, mas concordou para não magoar Ron. - Amanhã eu te ligo para confirmarmos.

- Isso sim é atitude de homem - Ron deu uma risada. - Então, você quer uma carona até o seu apartamento?

- Não obrigado, eu posso ir andando. - Sam foi em direção ao carro e pegou as chaves de seu apartamento e seus documentos que deixara lá antes da corrida com Ron.

- Certo, eu já vou indo - Ron deu um tapinha nas costas de Sam. - Certas pessoas aqui ainda não estão de férias.

- Tudo bem. - Sam cumprimentou Ron com um aperto de mãos.

- Se cuida maninho. - Ron entrou no carro e arrancou fazendo fumaça com os pneus.

- Toma cuidado - Samuel gritou inutilmente, pois o carro já estava virando a esquina naquele momento. - Idiota. - Sam considerava Ron como um irmão, um irmão que ele nunca teve.

Samuel andou noite adentro rumo a seu apartamento, sempre pensando em seus corriqueiros pesadelos e em Michelle, a mulher que o largou há alguns meses. Sam finalmente chegou ao seu prédio, subiu as escadas até o terceiro andar e cumprimentou uma vizinha que estava no corredor do seu apartamento. Tateou os bolsos e pegou suas chaves, abriu a porta e entrou lentamente, ele pensou em acender as luzes e fazer um café, mas naquela noite ele não precisaria disso, trancou a porta e cambaleou em direção ao seu quarto, tirou os sapatos e deitou em sua cama. Ele sabia que não conseguiria passar aquela noite acordado, e então simplesmente adormeceu.

Vinho QuenteOnde histórias criam vida. Descubra agora