Anna

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Disco o número da polícia no telefone dos Parker que fica na cozinha. Alguém atende.

— 911. Onde é a emergência?

— Residência dos Parker – digo quase chorando, esqueci completamente o número da casa.

— Ok. O que aconteceu? – Antes que eu possa responder a energia cai e o telefone emudece. Seguro o telefone e fico parada ali, no escuro, completamente imóvel e sem poder enxergar nada. Ouço gritos vindos do porão, depois o barulho de madeira velha rangendo. Ergo as mãos, tateando o espaço vazio a minha frente, tentando andar para sair dali, ouço passos pegajosos na cozinha, o barulho de alguém que está com os sapatos encharcados, como quando pegamos uma chuva desprevenidos e chegamos em casa com água dentro dos tênis. Olhos vermelhos insidiosos se abrem na minha frente, Eric está há dois metros de mim e rosna como um animal. A energia volta no momento que ele pula em meu pescoço. Tento acertá-lo com o telefone, mas ele me empurra, me mantendo encostada no balcão da pia, de repente ele me solta e cai, sendo arrastado para trás. Eric rosna e tenta chutar, mas Freddy continua firmemente agarrado em sua perna, que está sangrando novamente. Aproveito a deixa e corro para a sala.

Paro para pegar meu celular que deixei na mesinha de centro, a chave do carro de Eric também está lá, sem pensar muito eu a pego e saio correndo para fora.

Tudo que tenho que fazer é esperar no carro até a polícia chegar. Torço para que Cordélia esteja bem.
***

É quase impossível tentar abrir uma porta quando se está nervosa, minha mão treme e penso em desistir antes de conseguir abrir a porta do carro, quando finalmente consigo abrir, entro e abaixo o pino, me trancando dentro. Consigo ligar para polícia novamente, e quando o atendente pergunta o que aconteceu, respondo:

— Assassinato. - A polícia costuma se agilizar quando acontece um crime bárbaro.

— Ok. Já estamos a caminho. - ele responde com a voz mais inescrutável que já ouvi.

Quero acreditar que Délia está bem, que Eric não fez nada de horrível com ela. Mas pelos gritos que ouvi e pela fúria com que Eric me atacou, com certeza ele deve ter tentado algo muito ruim lá em baixo, penso nela agora no porão, ferida, fraca demais para sair. Sinto-me uma covarde por ter a abandonado, e pergunto se ela não está mesmo morta, eu nunca me perdoaria se isso acontecesse. Afinal a culpa toda seria minha, eu não aguentaria carregar esse fardo durante a minha vida.

A polícia está demorando demais a chegar, observo a casa, a porta aberta e as luzes acessas, a árvore ao lado, impulsionada pelo vento, joga seus galhos contra a parede e eles arranham parte da janela de um quarto lá em cima, talvez o de Délia. Freddy sai correndo porta afora, um pedaço de jeans na boca ensanguentada, ele vai até o fim da rua e eu o perco de vista no momento em que ele dobra a esquina.

Quando olho novamente para a casa Eric já está no meio da rua, ele arrasta a perna deixando um rastro de sangue atrás de si. Eu me assusto e começo a dar a partida no carro, mas ele para na frente e bate no capô.

— Anna! Me deixa entrar, por favor, preciso de um médico. – ele está apavorado e seus olhos não estão mais vermelhos como antes, imagino que a coisa saiu de dentro dele. Ainda assim estou com medo.

— A polícia já vai chegar! – grito para ele. — Espera aí fora! Eles vão trazer socorro!

— Anna, por favor, eu preciso entrar. A Cordélia está... A Cordélia... Ela – ele gagueja.

— Está o que? O que aconteceu com ela? – pergunto.

— Ela está estranha – estranha? Por um momento imaginei que a resposta fosse “morta”, mas, estranha? Mesmo assim um alívio percorre meu corpo.

— Anna, por favor – ele diz, cruzando as mãos como se implorasse misericórdia, lágrimas rolando por seu rosto.

— Rápido Anna! Ela tá vindo. - ele diz, olhando para casa.

Cordélia está saindo da casa, andando de quatro. Demoro um tempo para digerir o que estou vendo, suas mãos e pés virados para dentro, os músculos do corpo tensionados, ela está pálida e suas veias azuis protuberantes, seu tórax e abdômen estão cheios de furos e parece que suas vísceras estão saindo pela barriga. O cabelo louro caído na frente do rosto, o pescoço parece inclinado para trás, quando o vento move alguns fios de cabelo, vejo seus olhos vermelhos nos encarando. Ela anda rápido enquanto balança a cabeça freneticamente.

— Anna! Rápido! – Eric grita, me tirando do torpor em que aquela cena me fez entrar, eu destranco a porta do lado do passageiro, ele se arrasta e entra, está fedendo a sangue e sua roupa está toda manchada de vermelho.

— O que você fez com ela? – pergunto, imaginando que os furos sejam facadas.

— Eu não sei, eu não lembro – ele diz aos prantos, soluçando como uma criança.

Cordélia corre em direção ao carro e pula bruscamente em cima do capô, ela nos encara pelo vidro e grita enquanto pedaços de carne caem de sua boca, Eric abaixa a cabeça e cobre o rosto com as mãos, como se aquela visão causasse uma dor insuportável. Minha mente se afivela, entro em choque.
Cordélia desce do carro e corre pela rua, dobrando a esquina.

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