Eric

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Anna vai na frente enquanto descemos a escada que leva ao porão dos Parker. Os degraus de madeira velha rangendo e oscilando sobre nossos pés. Ela acende a luz revelando uma espécie de depósito desordenado de coisas velhas e empoeiradas, as teias de aranha se espalhando por todo lugar, descendo do teto e das paredes em longos fios prateados. Tropeço em uma grande chave inglesa cromada, outras ferramentas de conserto também estão espalhadas pelo chão, a caixa vermelha de ferramentas está aberta próxima a um freezer horizontal velho com a pintura amarelada. Recolho a chave e a coloco na caixa.

Anna caminha até o freezer e abre a tampa, me aproximo e olho para dentro, vejo um saco preto esbranquiçado por causa do gelo que se formou ao seu redor, ele ocupa quase todo o espaço lá dentro, espera! O freezer tem espaço suficiente para caber uma pessoa, espaço suficiente para caber um... Cadáver!

— Não pode ser! – digo assustado.

— Não pode ser o quê?

— Isso é um... um morto?

— Tecnicamente sim – Anna fala tranquilamente — mas logo não vai estar mais.

— O quê? Como assim? – Ela só pode estar louca — como você pretende ressuscitar essa coisa?

— Como você acha? - Ela olha para mim com um dãh! idiota! estampado na cara, é aí que caio em mim. O ritual da Délia. É isso! Anna é Délia vão fazer um feitiço de ressurreição.

— Vai ficar só me olhando ou vai me ajudar a tirar ele daí? – ela diz naturalmente, com certa frieza em seu tom inflexível de voz.

Demoro uns segundos para digerir a informação: Anna e Délia são assassinas.

— Não, eu não vou participar disso, eu posso fazer qualquer coisa, mas ser cúmplice de um crime nem pensar.

— Feitiçaria não é mais um crime há uns quinhentos anos – ela sorri sarcasticamente.

— Haha. Muito engraçado, mas assassinato ainda é crime, mocinha, e nem pense que vou ajudar vocês duas com isso. – viro as costas e me preparo para ir embora — e agradeça por eu não denunciar vocês a polícia.

— Espera! Ele morreu de causas naturais, na verdade ficou doente, ninguém aqui é assassino. E eu tenho certeza que o feitiço da Délia vai funcionar. Só me ajuda a levar ele pra cima, ok? Depois pode ir embora. Faça isso pela Délia, se não fizer por mim.

Eu não sei que tipo de impulso maluco toma conta de mim naquele momento, mas eu me viro e em um movimento robótico caminho até o freezer e agarro o saco preto, no lado onde deve estar a cabeça.

— Tudo bem, mas quero saber tudo, como esse... isso... essa... coisa veio parar aqui?

Anna agarra o outro lado do saco.

— Lá em cima eu conto, agora vamos erguer, UM...DOIS... TRÊS!
***

Tiramos com dificuldade o enorme saco preto de dentro do freezer e carregamos para cima, eu seguro na parte da frente e Anna vai atrás, o saco deve pesar uns cinquenta quilos ou mais.

Durante o trajeto o saco vai batendo nas coisas que estão pelo caminho, Anna exclama “Cuidado! quero que ele chegue inteiro lá em cima”, tenho vontade de desistir e ir embora, deixando ela se virar sozinha.

Levamos uns cinco minutos subindo a escada para o segundo pavimento, no corredor encontro a escadinha que leva para o sótão, que é bem estreita e com degraus que acomodam somente metade dos meus pés, o saco está escorregadio por que o gelo que havia ao redor derreteu, ele escapa umas duas vezes das mãos da Anna e eu preciso fazer um esforço extra para que ele não desça escada abaixo levando-a junto, depois de todo esse sufoco conseguimos  iça-lo para dentro do sótão. Eu entro de costas, puxando o mais forte que posso e ela empurra debaixo para cima, com as mãos e a cabeça.

Quando me viro me deparo com um círculo que tem uns três metros de diâmetro, montado no chão com velas brancas e pretas intercaladas, dentro dele alguns símbolos estranhos foram desenhados com algo branco, talvez giz, há um livro aberto, escrito em um idioma que não sei decifrar, uma taça de cobre decorada com desenhos entrelaçados ao redor, e um incenso que Délia está acendendo com um acendedor de fogão.

Largo o saco e me preparo para entrar no círculo quando Délia se vira e grita.

— Não! Não entre.  Só eu posso ficar aqui.

— Desculpe – digo, sem graça, e sorrio involuntariamente.

— Tudo bem, agora o coloquem no círculo e não pisem dentro.

Anna e eu erguemos o saco com cuidado por cima das velas e soltamos do outro lado, mantendo os pés do lado de fora. Délia o arrasta para o meio, puxa a faca de lua que está presa no seu coturno preto e usa para cortar o saco, abrindo de uma extremidade á outra, ela faz isso algumas vezes, por que são pelo menos quatro camadas de plástico preto, um saco dentro do outro, e puxa as bordas dos cortes, revelando o que há dentro, a primeira vista parece alguma coisa peluda, como um tapete, ou um casaco de pele, mas quando Délia o descobre por inteiro vejo a última coisa que eu poderia imaginar: um cachorro preto congelado, deitado de lado, como se estivesse dormindo.

Ufa! Anna podia ter avisado! Afinal não era um cadáver humano, sinto um grande alívio. Acho que isso não envolve nenhum crime.

Noite de HorrorOnde histórias criam vida. Descubra agora