Anna

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— Ela me mordeu! - a mulher grita apontando para Cordélia.

Assim que nos viu ela desceu pulando da escada e agarrou a perna de uma convidada. A mulher deu um grito de pavor e todos ao redor se voltaram na direção delas.

Eu e Eric nos entreolhamos, ele está pálido e trêmulo, tenho certeza que assim como eu ele não tem ideia do que fazer, então apenas continuamos parados, observando, enquanto a Senhora Parker caminha até Cordélia.

— Você ficou louca? O que você pensa que está fazendo garota? - Ela se abaixa próxima da filha, agarra seus braços firmemente e sacode, não consigo ouvir o que ela diz por que nesse momento uma batida eletrônica começa a tocar, há duas enormes caixas de som aos lados da escada, que começam a vibrar ao ritmo da música.

A mulher mordida atravessa o salão mancando e abre uma porta, entrando naquilo que imagino ser o banheiro. As luzes diminuem, deixando o lugar iluminado apenas pelas velas de cima das mesas e as tochas nas paredes. As pessoas ao nosso redor começam a dançar no ritmo da batida, e eu sinto alguém puxar meu braço.

— Anna - Eric diz, passando o braço por cima do meu dorso e se pendurando em mim — Não consigo... mais ficar em pé. Ele está suando e joga todo o seu peso para cima de mim.

— Tudo bem, olha pra mim - digo, segurando firme seu queixo e virando seu rosto em minha direção — Não desmaia agora, ok? Vem, vou arrumar um lugar pra você sentar.

Carrego Eric até a mesa e puxo uma cadeira para ele, ele se senta pesadamente e se debruça sobre a mesa. Paro em pé ao lado dele e olho ao redor tentando encontrar Cordélia e sua mãe, elas não estão mais perto da escada. Sinto meu tornozelo ser agarrado e sou bruscamente puxada para baixo, perco o equilíbrio e caio. Cordélia está embaixo da mesa, ela crava as unhas em minha perna, eu grito de dor e medo enquanto chuto seu rosto, ela não cede, me puxando com mais força ainda. Estou quase totalmente embaixo da mesa quando uma mulher para na minha frente, reconheço as pernas femininas pelos sapatos de salto e a barra do vestido arrastando no chão, seguro firme em uma perna e chuto o mais forte que posso a boca de Cordélia quando ela tenta me morder, ela me solta e eu me iço para fora. Cordélia sai engatinhando pelo outro lado, e vejo-a desaparecer no meio das pessoas que estão dançando.

Ainda estou segurando as pernas da mulher, ela está imóvel, os pés bem firmes no chão, como se fossem duas colunas jônicas, indiferentes ao que acabou de acontecer, uso as pernas como apoio para ficar em pé.

— Me desculpe - eu digo, resfolegando. Ela segura a máscara sobre o rosto, dou um passo para trás e me agarro na mesa, seu vestido está rasgado no decote e sangue grosso escorre do pescoço até os seios, a escuridão do ambiente envolve seu corpo em sombras, não me permitindo ver o ferimento, mas eu sei que ela foi mordida, e consigo imaginar aqueles olhos insidiosos me encarrando por trás da máscara.

Tateio a mesa e seguro o primeiro objeto que encontro, acerto sua cabeça quando ela vem para cima de mim, a caveira de açúcar se espatifa na minha mão, balas coloridas caem de dentro dela e se esparramam pelo chão, a Senhora Parker fica desorientada e cambaleia para trás, me dando tempo para ir até Eric.

— Eric, acorda! - ele está desmaiado sobre a mesa. — Eric, precisamos sair daqui! - dou um sacolejo nele, ele ergue a cabeça.

— O que? O que aconteceu?

— Levanta! - eu o seguro, colocando o braço dele sobre meu dorso e tentando erguê-lo.

Escuto alguém gritar, as luzes são acessas e a música é desligada, olho para a direção de onde os gritos vêm, algumas mulheres estão saindo desesperadas do banheiro, elas se empurram e algumas caem no chão, uma delas passa por mim, correndo em direção à porta de saída, seu rosto foi arranhado profundamente, a pintura facial de caveira branca faz uma horrível combinação com o vermelho do sangue. A mulher que foi mordida por Cordélia na escada sai do banheiro, seguida por outras, elas estão de cabeça baixa, e braços caídos ao lado do corpo, quando erguem a cabeça as pessoas ao redor gritam assustadas com seus olhos vermelhos brilhando famintos.

Tento levantar Eric de novo e ele acaba batendo o braço em um candelabro á sua frente, o candelabro cai e as chamas das velas começam a dissolver a toalha da mesa.

— Rápido! - grito desesperada para ele. Um torvelinho começou entre a multidão, as pessoas gritam e se empurram, deixo Eric cair quando alguém bate abruptamente nele, jogando-o para o outro lado, perdendo-o em meio a confusão. Sou empurrada também e caio de joelhos, Eric está caído há uns dois metros de mim, de costas, com dificuldade chego até ele, seguro seu corpo e o viro.

— Eric, precisamos sair - digo apavorada — Você precisa fazer um esforço - ele está desacordado.

Olho para trás, as chamas se alastraram e o fogo já tomou conta do salão, as mulheres de olhos vermelhos estão agarrando e mordendo outras pessoas, alguém rodopia em chamas pelo salão. O ambiente todo tomado pelo som de gritos e o cheiro de sangue, se misturando a fumaça que entra em meus pulmões, eu respiro com dificuldade e minha mente se afivela.

Eric reage e segura a minha mão, uso toda minha força para colocá-lo em pé, mas quando olho para ele seus olhos estão vermelhos, sem pensar muito eu o empurro para trás, e ele cai de novo, grunhindo horrivelmente.
Desisto de Eric e tento correr, mas acabo me perdendo entre a multidão, empurro as pessoas com força da mesma maneira que elas fazem comigo. Sou derrubada novamente e resolvo engatinhar até a saída, a fumaça cobriu o ambiente inteiro e não consigo mais enxergar com clareza, tudo está embaçado, mas continuo engatinhando, seguindo a direção dos pés que passam apressados ao meu redor.

Quando finalmente consigo chegar à porta, meus pés são agarrados uma última vez, tento chutar, mas eles são mais fortes, não tenho como resistir, não tenho mais forças, sou arrastada para trás. A porta é fechada, deixando do lado de fora minha última esperança, eles me giram para frente, pelo menos dez caveiras brancas de olhos vermelhos me encaram, entre eles Eric e a Senhora Parker. A última coisa que consigo perceber é o momento em que Cordélia sai do meio deles e salta em cima de mim, segura meu rosto de modo que eu possa encara-la uma última vez, aqueles olhos parecem dizer "Você perdeu Anna, este é o seu fim." Depois, sinto-a morder com força minha jugular, rompendo minha artéria.

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