V1

Observo o carro da Alice sumindo na entrada. Ela e Leah vieram conheçer minha casa. Ficaram embasbacadas. Sei que são filhinhas de papai mas a única casa geminada e sem graça daqui é a minha. Elas amaram tudo. Tomamos café e elas falaram e falaram de não sei quem que namora com não sei quem. Da fulana que fez uma tatuagem. Do garoto que queriam transar. Da roupa feia de uma coitada qualquer. Não prestei atenção em nada que disseram, só ouvi por alto. Gosto da habilidade de poder estar aqui mas não estar . Deixo minha cabeça vagando por pensamentos banais que são mais interessantes que qualquer coisa que saia da boca daquelas meninas.

É minha primeira semana aqui.
Meus pais saíram cedo, o helicóptero de algum milionário de Seattle os buscariam na torre Branca. É onde fazem o trabalho estando aqui. Na torre do Magnata do Petróleo.

—Srta. Hoover? —Olho sobre o ombro. É Daphine. Sorrio pra ela. Está usando um penteado novo. Franja caída no rosto. Ela é uma bela mulher e muito legal. —Vai almoçar em casa?

—Vou Daphine e, me chama de Laurel vai... Somos amigas, acho. —Ela sorri. —Diga a Libby que quero vocês duas almoçando comigo hoje.

Ela assente e saí mas está andando um pouco rígida.

—Daphine? —Chamo e ela para —Venha aqui.

Ela vem, andando como se algo doesse nas costelas. E deve estar doendo. Quanto mais perto chega mais perto vejo um tom arroxeado sob seu olho. Merda.

—Quem fez isso a você?

Daphine morde o lábio balançando a cabeça negativamente.

—Não quero falar sobre isso Laurel. É coisa minha e foi um acidente.

—Você levou um soco no olho. —Insisto —Está andando toda contida. Foi seu namorado? Quer que eu diga a minha mãe? Podemos incendiar a casa dele se quiser.

Ela sorri melancólica quando ouve a última frase.

—Vamos esqueçer isso Laurel. Não vai se repetir.

—Daphine...

—Por favor.

Suspiro.

—Ok.

—Obrigada.

—Se aconteçer novamente eu vou matar ele. —Ameaço e ela saí corando.

Homens que batem em mulher. Covardes. Daphine entra na cozinha e vejo, através do vidro, que está limpando o canto dos olhos.

Ela mentiu. Sabe que vai aconteçer de novo... E que eu não sou ninguém para ajuda-la.

Me abraço.

Então foi o que vi nos olhos dela. Uma mulher infeliz. Uma mulher espancada. São demônios diferentes dos meus, ela sabe o que fazer e a quem fazer mas eu não... Nem sei a peça que quebrou para insistir em seu concerto. Sinto as ingrenagens começando a falhar e queria evitar a destruição... Mas não estou conseguindo.

             V2

Cada pedacinho dessa casa tem a graça da minha mãe. É uma casa típica americana de madeira, nas cores azul e branca. Temos uma varanda pequena e árvores no quintal.
Por dentro, temos as cortinas de sempre. Floridas com fundo azul claro e rosas cor-de-rosa. Uma sala modesta, com quadros e miniaturas sobre a mesa de centro. Dois sofás.
A cozinha permanece como se ela estivesse prestes a chegar. Todas as coisas no mesmo lugar. Eu as mantive assim. Quando minha mãe morreu pude enfim sentir o que é amar e sentir saudades de alguém. É completamente diferente de quando ela e o meu pai foram passar duas semanas no Texas,  a cada dia que eu passava sozinho durante aquela viagem dos dois ficava feliz ao realizar as coisas sem eles "vendo só? Sei me virar sem ela", eu pensava. Mas quando ela morreu... Foi como se tivessem arrancado todas as habilidades básicas de mim. Eu não sentia os objetos. Esquecia das coisas. Me agarrara somente a ela. Tinha tanto medo de acordar um dia e não lembrar mais... E isso acontecia, todos os dias, quando você acorda fica apenas lá e aos poucos, recobrando a razão, eu era atingido por um raio ... ela se fora. Não estaria mais na cozinha cantarolando músicas que inventava, sem melodia, apenas letras. Vai que um dia eu dê de cara com um Rolling Stone no mercado. Ela dizia. Eles comprariam a música dela, não duvido disso. Talvez nem olhassem para o papel e sim para ela, aquela mulher que irradiava uma luz da qual todos sentiam inveja. Mesmo com meu pai sugando tudo. Ela sorria. A pele marcada e sorriso no rosto. Uma noite após uma surra, piadas de toc toc. Ela foi forte... Até aquele dia. Eles tinham brigado na noite anterior, ele não bateu nela porque ela saiu de casa e na manhã seguinte os policiais chegaram com a notícia, o carro caira na ribanceira.
Desde então eu vivo por mim mesmo. Quando tentei trabalhar meu pai fez o dono da loja me demitir. Ele não quer que eu saia. Não quer que eu tenha dinheiro. Sabe que eu iria embora. Não sei porque ele não quer que eu vá. Ele não me ama e eu não o amo.
Tentei por anos para enfim poder dizer que não o amo. Escolheria qualquer miserável como pai se pudesse, qualquer sujeito que não fosse como ele.

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