Capítulo VI

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Depois do ataque, Raimundo foi levado para o hospital para cirurgia enquanto meu pai, Atena e eu respondíamos evasivamente às perguntas da polícia. Só fomos dispensados por volta da meia noite e dali acabamos escoltados pela polícia até o hotel. Uma vez no quarto, tentei questionar se deveríamos mesmo continuar naquele congresso, mas meu pai insistiu que era tarde demais para recuar. No fim, Atena e eu revezamos a guarda para que ele pudesse descansar, mas nenhum de nós conseguiu dormir naquela noite.

No meio da madrugada, ouvi meu pai sair do quarto e, depois de alguma consideração, fui atrás dele. O encontrei no térreo do hotel, sentado com um café numa das mesas do restaurante. Me sentei na mesma mesa e meu pai me ofereceu em silêncio a bebida.

– Eu estou bem – falei.

– Ao menos algo bom de se ouvir nessa noite.

Ele tomou seu café, os olhos mantidos presos num ponto muito longínquo do espaço, quem sabe do tempo. Sentia um embrulho em minha garganta, um amontoado denso de palavras que se embolavam sem permitir que nenhuma saísse. O café de meu pai acabou antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa.

– Seria melhor que você dormisse.

– Eu devia dizer isso.

– Eu vou subir logo. Não precisa se preocupar comigo por agora. Depois de um ataque frustrado, nossos inimigos vão ter que esperar um pouco até tentarem novamente.

– Não é isso que me deixa preocupado.

Meu pai juntou suas mãos sobre a mesa, permitiu que seu olhar caísse.

– Nunca quis que você fosse um Mago por medo de que algo assim pudesse te acontecer. Se algo te acontecesse por culpa ou inação minha, eu jamais conseguiria me perdoar. Jamais devia ter te pedido para me acompanhar.

– Não. Eu quero estar aqui. Eu quero estar do seu lado nesse momento. Você me salvou mais vezes do que eu posso contar. Sabe... eu nunca te odiei. Quando você deixou a mãe eu, senti que eu tinha perdido tudo. Que eu não era bom o suficiente para ser seu filho. Às vezes eu ainda sinto isso.

– Você sabe que esse não foi o motivo.

– Eu sei. Mas não foi fácil aceitar isso. Mas... mas quando eu penso sobre isso agora eu fico com medo também. Pela Lavínia, pela Atena, pela mãe. Por você. Eu tenho medo de que alguma coisa aconteça com vocês e eu sei que eu faria qualquer coisa que eu tivesse que fazer para proteger vocês. Até algo pelo que vocês me odiariam.

Olhei para minhas próprias mãos hoje em dia calejadas por lutas, tão diferentes do que eram só alguns anos antes.

– Eu ainda acho que você agiu errado, mas, no fundo, talvez eu fizesse a mesma coisa. Quão idiota eu conseguia ser...

– Você só era jovem.

– Isso significa que eu envelheci?

– Todos nós envelhecemos.

Acedi.

– Eu não vou deixar ninguém te machucar – eu falei.

Senti a mão de meu pai segurar a minha, com alguma hesitação, receio, mas mais do que tudo com uma ternura avassaladora. Senti as lágrimas se forçarem em mim.

– Eu te amo, Daniel.

– Eu também te amo, pai.

Talvez mais do que qualquer outro em minha vida, aquele momento me fez sentir como se um véu de silêncio tivesse sido levantado.

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