CAPÍTULO 14
- Pode se sentar...
- Estou bem assim, obrigado.
- A Roberta já vem.
- Quem é Roberta?
- É aquela mulher que te atendeu pela janela.
- Ah... Tudo bem.
A Vânia era uma garota que aparentava não ter mais que 17 anos, baixinha e moreninha, corpo miudinho, já a Roberta era uma mulher um pouco mais baixa que eu, gorda, branca, cabelo preso meio crespo, parecia ser evangélica, avental na cintura e um jaleco bordado o nome da instituição.
- Desculpa pela demora...
- Sem problema... Eu vim conhecer a casa.
- Vem comigo...
- Vocês recebem algum incentivo do governo?
- Nenhum, aqui vivemos de doações, da boa vontade das pessoas que se comovem e nos ajudam, tem também o dinheirinho que os meninos ganham no farol vendendo doce...
Conversando com a Roberta deu pra notar que ela era um pouco ignorante, não conciliava singular e plural nas palavras, talvez ela não tenha tido uma oportunidade de terminar os estudos, um jeito meio bruto também.
- Mas o que vocês ganham é suficiente para manter esse lugar?
- Claro que não, passamos muitas dificuldade, tem dias que as crianças só podem comer uma vez no dia, porque se comerem duas vez vai faltar pro outro dia.
- Que absurdo.
- É mesmo, só a gente que convivemos pra saber como é difícil cuidar de crianças assim...
- Eu sei muito bem como é...
- Só quem passa por isso pode saber, doutor.
- Eu sou portador do vírus, eu sei o que passei e estou passando.
- O senhor? Tão chique e bonito desse jeito?
Ela ficou abismada ao saber que eu também era portador, realmente as aparências enganam, ninguém que me visse na rua poderia dizer: "Aquele tem AIDS". Geralmente as pessoas julgam as outras pelas aparências, do tipo: "Foda-se o conteúdo, to mais a fim da embalagem". É aí que mora o perigo, onde você arrisca sua vida porque aquela pessoa é bonitinha, cheirosinha, gostosinha, não está escrito na testa de ninguém "Tenho AIDS", por isso o uso de preservativo é de extrema importância, correr esse risco pode levar a um caminho sem volta.
Fui até um dos quartos onde havia uma criança deitadinha em um berço, bem magrinha, com os olhinhos fundos, peguei aquele bebê no colo e comecei a chorar, aquele bebê molinho, indefeso, as fraldas eram tamanho P e estavam enormes para ele, vida injusta, governo injusto, ver um adulto sofrendo é até compreensível, mas uma criança que veio ao mundo já contaminada e condenada não é fácil, é revoltante.
- E esse bebê?
- Ah... Ele já está em fase terminal...
- O quê?
- Tadinho... A mãe dele morreu faz quatro dias, logo ele vai também.
- Mas o que ele tem?
- O bichinho tá com pneumonia...
- E por que não está no hospital?
- Eu ia levar hoje...
- Essa criança vai morrer aqui se nada for feito... Eu não vou deixar isso acontecer...
- Mas moço...
- É por falta de dinheiro?
- Também...
Coloquei o bebê de volta no berço, tirei a carteira do bolso e assinei um cheque, entreguei para a Roberta uma importância de dez mil, ela quando olhou quase caiu de costas, era o mínimo que eu poderia fazer:
- Toma aqui esse cheque... Interne essa criança o mais rápido possível.
- Deus misericordioso...
- Eu quero essa criança internada agora, esse dinheiro tem que salvar a vida desse inocente, se for preciso eu ajudo com mais, mas, por favor, salvem a vida dessa criança.
- Com esse dinheiro vai ajudar muito, você caiu do céu.
Entrou uma criança dentro do quarto chamando pela Roberta, era um garotinho moreno, falante, ele queria tomar sorvete, pois na rua passava um vendedor de picolé e ele ficou com vontade.
- Tia Ro...
- Fala neguinho?
- Hoje eu posso tomar um pouquinho de sorvete?
- Hoje você não pode...
- Quando eu vou poder?
- Só quando você melhorar...
Me abaixei na frente dele, segurei sua mão e comecei a conversar com aquela criança, era um menino tão meigo, inteligente, esperto e comunicativo:
- Tudo bem com você?
- Eu tô bem e você?
- Eu tô ótimo, qual seu nome?
- Eu me chamo Rodrigo.
- Que nome bonito, meu irmão se chama Rodrigo também.
- E o seu nome, como é?
- Meu nome é Bader.
- Bader?
- É... Você tá com vontade de tomar sorvete?
- Aham... Mas eu não posso.
- Por que você não pode?
- Porque eu tenho um bichinho dentro de mim que não gosta...
É nessas horas que ficamos comovidos com a inocência de uma criança, comecei a ficar emocionado, ele falava de uma maneira como se fosse algo normal, tal como uma gripe, catapora, seus olhinhos brilhavam quando falava em sorvete, eu fiquei imaginando em como essa criança deveria sofrer, passar vontades e não poder consumir para não atrapalhar no tratamento.
- Tio...
- Fala...
- Você sabe como faz pra tirar esse bichinho de dentro de mim?
- Oh meu anjo...
Levantei e corri até a sala pra ele não me ver chorando, que absurdo, crueldade, a criança me perguntando como fazer para tirar aquele "bichinho" de dentro dela, o que eu ia dizer? Aquilo mexeu comigo, comecei a chorar descontroladamente, encostado na parede de frente para a janela eu observava o movimento da rua, aliviando também o cheiro de bolor que havia no interior da casa.
- O senhor quer uma água?
- Por favor...
- Vânia... Vá buscar um café pro Doutor... O senhor não quer se sentar?
- Desculpa, mas eu não consegui conter a emoção...
- Eu entendo... Eu já tô acostumada... Cadê a água do Doutor, Vânia?
- Já tô indo... Aqui sua água.
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Uma história de amor - escrito por Salém
RomanceOlá, em primeiro lugar devo esclarecer que esse romance não é de minha autoria. Me dei a liberdade de repostar os capítulos dessa história para que você, caro leitor e leitora, aprecie uma história bem escrita e desenvolvida que vai te emocionar. Es...