Sempre me lembro dos menores detalhes quando penso nele. Lembro-me da covinha que se formava no canto do seu sorriso, da sua expressão quando sentia orgulho de si mesmo, do cabelo sempre bagunçado, mas uma bagunça sexy, de todas as coisinhas mais simples que o tornavam o cara mais perfeito do mundo pra mim e com toda a certeza a minha pessoa favorita no universo.
Nossa história não é tão difícil de ser contada, não é tão triste como o Titanic, não existe um "felizes para sempre" como os contos de fadas da Disney, nem uma batalha épica pelo nosso amor com espadas, varinhas ou sabres de luz. É uma história real, aquele tipo de amor que a gente passa a vida toda buscando.
Algumas pessoas podem me chamar de sortuda, pois não procurei tanto assim, ele sempre esteve ali. Crescemos juntos, nossas mães eram melhores amigas muito antes de sonharmos em nascer. Mas existir um romance entre a gente nunca pareceu uma possibilidade, até acontecer.
Nós éramos melhores amigos, não porque o destino quis assim ou coisa do tipo, mas porque nos encontrávamos em todas as possíveis reuniões de família. Digo isso porque meus pais arrumavam qualquer desculpa para dar uma festa, acho que eram do tipo baladeiros quando jovens e quando viraram adultos não aceitaram a condição de uma vida em família tradicional tão bem assim, ou seja, são bem animados. E no nosso caso, éramos as únicas crianças com idade e mentalidade parecidas. Então aceitamos o fato de que formar uma amizade era mais fácil do que ficar com os adultos estranhos.
No começo éramos mais companheiros de brincadeiras do que realmente amigos, mas a fase de criança passou e acabamos percebendo que existia uma amizade muito grande entre a gente.
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9 de junho de 2007
Passamos a tarde toda o procurando, mas eu sabia onde encontrá-lo. Sei pra onde vem quando está assustado.
Na rua da casa dele tem uma casa abandonada há anos e sempre foi um cenário incrível para nossas brincadeiras. Quando éramos piratas era nosso imenso navio, quando ele era um grande rei, e eu sua humilde súdita, era seu magnífico castelo. Nossa imaginação faz maravilhas nesse lugar. Era nosso segredo. Atrás do imóvel tem dois balanços pequenos e enferrujados.
Ele está lá, no chão, ao lado dos balanços, soluçando.
Sento ao seu lado, sem saber o que fazer. Ele nota a minha presença, mas não diz nada e nem eu. Não sei o que dizer ou fazer. Não sei se deveria ter vindo sozinha, mas não sabia se ele ia gostar que outras pessoas descobrissem o nosso lugar.
— Ele me odeia. Eu não sei o que eu poderia ter feito pra mudar isso, mas ainda assim ele me odeia, Mari! – ele diz angustiado em meio a soluços.
— Ele não te odeia não. – assim que digo isso ele me olha como se eu estivesse dizendo a mentira mais óbvia do mundo. — Enzo, acho que precisamos voltar. Sua mãe está apavorada e preocupada te procurando. – digo acariciando suas costas.
— Eu não quero vê-la! Ela mentiu pra mim a minha vida toda. Disse que ele era meu pai, me deixou amá-lo durante todo esse tempo para agora tirá-lo de mim. Agora que contou tudo pra ele, ele descobriu o motivo de sempre ter me odiado. Eu não pareço com ele, não gosto das mesmas coisas que ele. Mas eu me esforçava e ele só se afastava por não saber o que fazer. Agora tudo faz sentido. Ele não precisa se culpar por não gostar do próprio filho! – ele desabafa chorando desesperado.
Não sei mais o que dizer.
— Eu não tenho mais ninguém, Mari!
— Você não poderia estar mais errado. Você sempre e pra todo o sempre vai ter a mim! – digo e o abraço com força, como se toda a dor dele pudesse ser dividida comigo dessa forma. — Vai ficar tudo bem!
Ele se afasta, sorri pra mim em meio a um turbilhão de lágrimas.
— Jura de coração? – pergunta.
Eu sorrio.
— Juro do fundo do meu coração!
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E não nos desgrudamos desde então. Mas não passava disso. Só amigos, ou melhores amigos.
Até que uma filial de uma famosa escola particular abriu a alguns quarteirões das nossas casas. Nossas mães passaram dois longos anos tentando nos arrastar pra lá. Mas tínhamos nossos amigos no nosso colégio e essa ideia só gerava um turbilhão de brigas.
No nosso último ano do ensino o instituto de educação Louis Hamswood faliu. Mesmo quando ficamos arrasados com a notícia, nossas mães só faltavam pular de alegria. Então iríamos estudar na tal escola, e estava fora de questão discutir o assunto.