Capítulo 8

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Sam

-Erick!

  Exclamei ainda atordoada pelo convite.

-Erick sim, né? É nosso trato, você tem que aceitar.

Ele ficou diante de mim, todo grandão e musculoso com os braços cruzados e apesar do tamanho parecia um adolescente espertinho tentando me contornar.

-Erick, não! Você não pode me chamar pra conhecer sua família e achar que eu vou aceitar. O que eu vou dizer a eles? Eu nem gosto de você, não quero conhecer sua mãe!

  Soltei o ar depois de falar. Estava sentindo formigamento no meu estômago.

-Vou te apresentar como minha amiga, não tem com o que se preocupar. Além do mais, é só uma festa de comemoração de Belle e Chris por estarem namorado, por ter acabado o prazo do testamento. Você não será o centro das atenções, só tem que ficar ao meu lado e ser linda. É tão simples!

  E ele fazia parecer simples. Mas se eu topasse e alguém interpretasse errado a minha presença? A família deve saber que ele é um mulherengo. Vou parecer apenas mais uma que ele leva numa festa? Não quero ser amante aos olhos de sua família. Não mesmo!

-Erick, me convida pra outra coisa. Sem chance de eu ir a essa festa. Eu estou correndo de rótulos pra cima de mim. Já basta as pessoas no trabalho especulando se sou ou não sua amante. Não preciso que sua família pense isso.

  Ele não desgrudava os olhos de mim e eu me odiava parecer tão vulnerável por comentários alheios. Mas não é como se eu pudesse ameaçar sua família caso alguém fale de mim.

-Eles não vão pensar mal de você, Sam.

  Ele afirmou, com a mão no meu ombro, completamente amigável e compreensivo.

-Ah não? Sua mãe não sabe de sua vida de puto?

  Ele riu jogando a cabeça pra trás como se eu tivesse contado a melhor piada do ano. Não era pra rir.

-Sabe. Todo mundo sabe. Mas eles não vão falar de você porque vai estar comigo. Eu nunca levei mulher pra casa, muito menos pra festa de família, então você não será taxada como uma das que pego.

  Afirmou confiante de que estava fazendo um discurso tranquilizador.

-Mas é exatamente isso que você quer que eu seja.

  Ele abriu a boca pra rebater, mas pensou bem e desistiu de falar. Eu dei um passo pra trás e levantei as sobrancelhas esperando ele dizer alguma coisa.

-Não necessariamente. Eu juro que não vão pensar isso de você. Vamos!

Não necessariamente?

  Não quis perguntar e mudar o rumo da conversa, mas essas duas palavras ficaram rolando na minha mente.

No fim das contas eu perdi a discussão e tive que ceder. Pra piorar as coisas, a festa era algumas horas depois, então eu voltei pra casa para me arrumar com a promessa de que ele iria me buscar na hora marcada.

   Outro grande problema, pelo menos pra mim, era o que vestir. Eu não vou a lugares chiques que precise de produção. Mal uso maquiagem e minhas roupas na maioria são completamente casuais. Erick disse que a irmã decidiu que para aquela festa o traje seria mais chic, mas ele me afirmou que se eu colocasse um vestido ficaria tudo bem.

   Minha vontade era abrir a porta usando jeans rasgado e camiseta pra ele desistir, mas eu não sou uma adolescente e meu plano não é esse. A intenção geral é entrar no joguinho dele e no fim dar um pé na bunda e eu não podia me esquecer disso.

    Optei então por usar um antigo vestido preto mais justo que eu tinha quando fiz o curso de aeromoça e precisei ir a uma recepção. Não era tão chique, mas com ele eu não passaria vergonha.

   No horário marcado ele bateu na minha porta, mas eu ainda estava descalça procurando o meu celular. Abri a porta e o encontrei lá parado, bonito, vestido socialmente. Não era muito diferente da farda de piloto que era igualmente elegante, mas eu sabia que a ocasião era diferente o que de certa forma, pelo menos na minha cabeça, tornava Erick com aquela roupa uma visão diferenciada.

-Entra ou espera, não acho meu celular!

  Deixei ele lá e voltei a procurar. Finalmente eu o achei debaixo da almofada do sofá, enfiei meus pés nos sapatos e voltei a olhar pra ele, que estava se divertindo com minha confusão.

-Vamos?

  Ele estendeu a mão pra mim. Eu olhei pra sua mão, seu rosto e ignorei. Passei direto por ele e fechei a porta atrás de mim.

   Eu senti que estávamos chegando quando o carro começou a andar mais devagar. Eu me perguntava o que diabos eu estava fazendo ali. Olhei pra Erick do meu lado direito, ele estava com uma mão no volante, completamente relaxado, olhando pra frente e pensei como eu cheguei a esse ponto.
 
   Eu queria matar ele por ter me feito ir tão longe em relação a algum laço com alguém a ponto de conhecer a sua família, mas ao mesmo tempo a expectativa de ver uma família e pelo menos poder, mesmo que um pouco, presenciar o tal amor familiar que tanto vejo em suas palavras.

  Minha cabeça estava em uma grande confusão e eu sabia disso, mas era engraçado e torturante como em meu coração eu sabia que com ele nada iria me acontecer.

  O carro parou. Senti um calafrio.

-Sam?

  Erick me chamou. Olhei pra ele.

-Você está linda.

  Ele sorriu. Os dentes dele conseguem brilhar mesmo com pouca luz.

-Ah, me poupe desse ritual. Não estamos tendo um encontro de verdade.

  Me forcei a ser grosseira. Tentei abrir a porta do carro, mas estava travada e me senti idiota. Continuei olhando pela janela tentando evitar olhar pra Erick e ouvi um clique das portas destravando. Sai muito rápido de lá e finalmente fiquei de pé na calçada.

  Havia bem na nossa frente, uma casa. Estávamos em um condomínio de rico, onde há várias casas maravilhosas, e essa era perfeita. Um jardim enorme e verdinho na frente, a faixada enorme e branca e muitas luzes. Eu mal consegui respirar sem emitir um UAU! Era incrível.

  Haviam vários carros aparentemente de luxo ao redor de nós. Eles eram mesmo muito ricos.

-Vamos lá.

  Ele me segurou pelo braço e eu tive que ir. A porta estava aberta para as pessoas entrarem e nós passamos por lá sem nenhum problema.

O interior era maravilhoso também, muito branco, o espaço era enorme, tinham muitas pessoas circulando, todos vestidos a caráter, bem chiques. Eu quase travei.

-Eles sabem que você trouxe....uma mulher?

  Perguntei baixinho a Erick.

-Não preciso comunicar quando trago alguém. Vamos sentar ali?

Ele apontou pra um sofá branco e nem esperou eu responder e já foi me levando pra lá. Me acomodei num canto e ele sentou ao meu lado, bem perto.

  Tocava uma música ambiente e podia ouvir o ruído das conversas das pessoas. Eu estava desconfortável.

-Relaxa, Sam, ninguém aqui morde...além de mim.

Erick fez graça.

-Eu mordo, é só você me provocar.

Rebati e só quando ele me olhou daquele jeito malicioso eu me arrependi do que eu disse.

-Vá em frente, pode me morder.

  Ele abriu os braços.

-Ah pare com isso! Como você é inconveniente e maldoso.

Reclamei. Ele riu.

Um garçom passou com uma bandeja e ofereceu champanhe. Erick pegou duas taças e me entregou uma.

-Já vi que voltarei de ônibus pra casa hoje.

Resmunguei quando ele quase virou a taça de champanhe.

-Primeira e última, prometo!

Erick piscou pra mim.

  -Vamos lá...você está tensa demais. É só minha família, ninguém vai falar de você nem vão encarar mal sua presença. É uma família amorosa, sabe como é né?!

  Fiquei parada olhando pra ele sem ter uma resposta pra aquilo. Eu não fazia ideia do que era uma família amorosa. Erick parou de rir e ficou me encarando sério.

-Não me falou nada sobre você.

Constatou.

-É porque não é de sua conta. Pra dormir comigo você não precisa saber do meu passado.

  Minha voz saiu menos feroz do que eu pretendia.

-Não, mas nem por isso me interesso menos. Eu gosto de mulheres, isso não é segredo pra ninguém, mas isso não me torna o cara mais insensível de todos.

  Mais uma vez fiquei sem uma resposta imediata. Por uns segundos ficamos nos olhando enquanto eu vasculhava meu cérebro pra responde-lo.

-Eu não tenho nada a dizer, não insista.

Ele inclinou a cabeça pro lado me observando e depois mudou completamente de posição de um cara interessado pra o Erick “foda-se” de sempre. Ele passou o olho na multidão.

-Aquela ali de vestido bege, cabelo castanho conversando com uma loira é a minha mãe. O nome dela é Rebecca.

Ele apontou e eu vi a mulher elegante com um sorriso fácil batendo papo com outra que também era muito bonita. As duas pareciam amigas.

-Aquelas duas que acabaram de chegar são Belle e Marrie. Marrie é a baixinha.

  Vi duas jovens na porta. As duas igualmente lindas e bem vestidas. Belle parecia contente em ver o andar da festa e ela era muito bonita, tinha um sorriso sincero. Ao lado dela estava Marrie, a irmã de Erick sorrindo também e ela cochichou alguma coisa com Belle.

Marrie era muito parecida com a mãe, mas tinha um cabelo ruivo natural, meio acobreado.

-Ela é ruiva!

Afirmei curiosa. Erick tinha cabelo extremamente negro.

-Sim. Herança da família do meu pai. Chris também é, olha lá.

Um homem alto, elegante apareceu pra falar com as duas. Ele tinha o mesmo cabelo que Marrie. Quando ele se virou eu pude ver. Ele era lindo. Não como Erick, mas Chris tinha traços mais delicados e era menos forte.

  -Ih, deu merda!

  Vimos Belle sair correndo e Chris indo atrás depois de dizer alguma coisa a Marrie que olhou pra outra mulher maravilhosa perto dela. Marrie disse algo pra mulher que pareceu sorrir e pra minha surpresa, a própria Marrie expulsou a mulher a levando pelos cabelos enquanto um rapaz loiro dava muita risada.

  Esse pessoal não é normal.

-Aquele ali quem é?

   Apontei com a cabeça pro loiro. Erick levantou as sobrancelhas.

-Meu primo Aron. Fica longe.

  Ele disse sério, eu quase ri. O tal Aron era bem bonito e charmoso. Ele tinha um sorriso sugestivo.

-Porque?

  Perguntei pra irritar.

  -Porque ele é pior que eu.

  Não era de se espantar. Mesmo sangue puto. Eu fiquei calada e Erick também.

  Me perguntei se ele estava com ciúmes de mim, mas cheguei a conclusão quer era só um daqueles ataques de macho quando vê a possibilidade de perder sua fêmea/presa.

  Sou vivida demais pra saber que homens como Erick não são do tipo que vira namorado fiel e que ele jamais se prenderia sentimentalmente a alguma mulher a ponto de sentir ciúmes. Ele é muita coisa e sabe disso, e por isso é certo de que pode ter o que e qualquer uma que quiser.

  Eu não sou uma exceção e nem quero ser.

-Marrie vai gostar de te conhecer.

  -Não!

  Falei instantaneamente.

-Não quero que me apresente a ninguém. Onde é o banheiro?

  Mudei de assunto. Essa seria a forma mais fácil de fugir.

  -Vem que eu te levo.

  Ele se levantou e estendeu a mão. Não tive escolha e aceitei.

  Fomos nos afastando das pessoas, indo para um lado da casa que provavelmente era improprio para convidados.

-Bem aqui.

  Ele apontou pra uma porta. Eu olhei pra lá.

-Vou esperar por aqui. Prometi e não vou te deixar sozinha.

  Entrei no banheiro, aliviada. Eu não queria fazer nada lá dentro a não ser respirar.

  Ele estava indo rápido demais, me mostrando coisas demais e eu não queria nada disso.

  Mas o infeliz era encantador e rebatia minhas grosserias como ninguém. Eu tinha que fazer alguma coisa. Não podia apenas abrir brechas pra ele entrar. Eu estou carente de amor e atenção a tempo demais e quanto mais tempo eu passo com ele, mais difícil fica ser dura e jogar isso tudo fora.

   Abri a porta do banheiro decidida a pedir para ir embora. Estufei o peito e fui, mas assim que nossos olhos se encontraram, Erick sorriu.

-Vem, quero te mostrar uma coisa.

  Segurou minha mão e me puxou. Eu não tive coragem de dizer não.



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