Era véspera de natal no Maine, Estados Unidos. O ano era de 1985 e toda a autoestrada que ligava a Rota 321 com a Quinta Avenida, no centro da cidade, estava interditada por conta daquele acidente próximo daquela árvore antiga e histórica.
A pista ainda se encontrava escorregadia devido as chuvas dos últimos dias, e para o xerife local, Bill Goldblatt, aquilo tinha sido o motivo do incidente.
Não havia ninguém no local a não ser o próprio xerife, que vendo a proporção da coisa, resolveu comunicar os superiores no walkie-talkie que carregava em seu veículo de patrulha. Era um modelo muito antigo, mas que ainda servia para poder se orientar sobre os acontecimentos na delegacia.
- Há um caminhão pequeno tombado e alguém preso nas ferragens - Bill Goldblatt anunciou, pressionando o botão do aparelho. Após um chiado, ele percebeu que a central o estava ouvindo perfeitamente. - A coisa parece séria. Mande o socorro com urgência.
O xerife terminou a mensagem e desceu da viatura; usava uma capa de chuva amarela e um pesado par de galochas para proteger seus pés da umidade do local. No céu, nuvens negras escureciam o tempo, tornando-o noite, enquanto relâmpagos serpenteavam acima de sua cabeça, em uma dança sincronizada e poderosa.
Enquanto se aproximava do local, com certo espanto, notou aquele estranho de aparência excêntrica e peculiar no outro lado do acostamento, observando atentamente o desastre. Não se lembrava de tê-lo visto por ali antes; pouco importava, também. Em cenas de sofrimento como aquelas, sempre surgiam curiosos por todos os lados para observar. Como um bando de abutres vigiando uma carcaça de animal moribundo jogado na rodovia.
Bill voltou sua atenção para o fluxo de automóveis, ignorando o pequeno e delicado nevoeiro que começava a se levantar da densa vegetação que cercava o local. Se fossem nos dias de hoje, Bill chamaria aquela cena de "Clássico cenário de Silent Hill".
A vítima era George Rosenfeld, um homem robusto na casa dos trinta anos.
George saiu de sua casa pela manhã rumo à transportadora onde trabalhava. Conversou com Karen Greyk, sua chefe, quando lá chegou, e ficou sabendo que deveria levar uma pequena carga até aquele estado nos Estados Unidos. "Tarefa tranquila", pensou, apesar da forte chuva que assolava a cidade.
Apanhou o caminhão, saiu do pátio e procurou dirigir por ruas secundárias para fugir do trânsito pesado da manhã. Mas nem os atalhos mais conhecidos poderiam tirar aquele pesado fardo de suas costas.
Próximo à rodovia, voltou ao tráfego lento e entrou numa autoestrada movimentada. Um pouco mais à frente na estrada, sob os chuviscos que caíam e molhavam todo o local, George notou alguém fazendo o gesto característico com o polegar para pedir carona.
Como sempre fora um homem de bom coração, resolveu apanhar o estranho, mesmo que aquilo contrariasse as normas expressas da empresa onde trabalhava. A transportadora St. Jordan. George possuía uma facilidade em fazer amigos que chegava a ser surreal. Era o tipo de pessoa que todos amam e querem por perto.
Mas até as melhores pessoas, as mais boas, escondem segredos obscuros. Estar na estrada aflorava aquela lembrança e o fazia sentir-se péssimo por dentro. Ele era um monstro. Apenas um monstro fazia aquilo que ele fez. Ele esperava quando morresse que o próprio Diabo viesse lhe punir por aquilo.
Ele estacionou o veículo a poucos metros à frente, buzinou e esperou o seu novo carona entrar no caminhão. O estranho sentou-se no banco ao lado dele e jogou uma mochila comum no chão da cabine. George teve a atenção despertada apenas por um desenho de tabuleiro de xadrez que havia nela.
- Para onde você vai? - perguntou George, mas o carona não respondeu nada. Apenas ficou encarando o asfalto que se seguia por vários quilômetros à frente. - Você está perdido? - nenhuma resposta. - Tudo bem, então. Não precisa me agradecer.
Embora a viagem transcorresse normalmente, George mantinha sob a mira do olhar aquele estranho passageiro. O carona contrariava as normas da empresa, seu cérebro martelava, e nem sequer trocavam uma palavra, sendo ela sobre o clima desagradável ou um simples "obrigado por me oferecer uma carona".
O motorista distraiu-se olhando para o desenho na mochila do outro homem novamente, que o fez lembrar-se de quando jogava partidas de dama com o pai.
Sentindo-se incomodado pelo mutismo do carona, tentou entabular qualquer conversa. Ouviu de volta uma resposta estranha e que ele considerou desencontrada.
- Há uma cruz à direita da pista logo aí à frente, no pé de uma árvore antiga e histórica.
Um arrepio incômodo percorreu seu corpo. George engoliu a saliva em sua boca e inspirou discretamente para não demonstrar o quanto estava assustado pela voz áspera que saía da boca do homem. Eram como se houvesse porcos sendo mortos em seu estômago.
- Muita gente morre atropelada por esse mundão de estradas, não é?
O estranho concordou com um esgar que talvez lembrasse um sorriso.
- E poucos não se esquecem das tragédias.
George virou rapidamente ao lado para fitá-lo; será que ele sabia de algo? Era impossível aquele desconhecido saber de alguma coisa. Ninguém sabia.
Atordoado, George mal teve tempo de perceber o gesto brusco do estranho em direção ao volante de seu caminhão. O homem o girou em direção ao acostamento enquanto sorria.
O carro virou-se bruscamente para o lado, deslizou no asfalto escorregadio por causa da chuva por vários metros até que tombou. Inúmeros capotamentos após, George sentiu o baque surdo contra uma árvore, e a sua memória esbranquiçou-se como na pior noite de sua vida.
O barulho foi exatamente o mesmo que sentira quando atropelou uma jovem que pedia carona no acostamento certa noite. Seu desespero foi tamanho que ele não parou para prestar socorro.
Temendo pelo pior, apenas recolocou o veículo de volta na estrada e seguiu caminho. Relatou para Karen que o amassado no para-choque do caminhão havia sido de um veado que atropelara. E tudo ficou por isso só.
Enquanto aquelas memórias lhe atormentavam, ele sentia toda a dor do momento. Ele não podia se mexer. As agonias horríveis eram um sinal de estragos fortes, ele sabia.
Sentiu tudo escurecer em volta...
Após a chegada dos paramédicos, Bill Goldblatt voltou a controlar o fluxo de automóveis. Nenhum outro curioso surgiu no acostamento para observar o acidente. Intrigado, notou que o estranho permanecia do outro lado, junto ao acostamento. Na mesma posição que estava desde que ele o notara.
Por mera curiosidade atravessou para abordá-lo. Talvez ele pudesse ajudá-lo a entender o que aconteceu ali. Bill subiu o acostamento escorregadio e lamacento e teve que se apoiar em uma pequena cruz de madeira branca pregada no chão para não escorregar no barro.
- Vi que está olhando por algum tempo já - Bill disse para o homem de mochila com a estampa de tabuleiro de xadrez. - Deseja algo? Talvez uma carona. Quem sabe pode até me ajudar nisso.
O estranho homem apenas assentiu com a cabeça.
- Sim e não - ele respondeu, com uma voz fria e calculada -, não para te ajudar. E sim, eu desejo algo - olhando diretamente para os olhos de Bill, ele finalizou - a alma do motorista acidentado.
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A Morte Pediu Carona
ParanormalÉ como aquele velho ditado diz "Aqui se faz, aqui se paga". Para George, era apenas mais um dia comum em seu trabalho na Transportadora St. Jordan, até que apareceu aquele homem místico no acostamento da autoestrada, pedindo carona...