Na casa da minha tia

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Quando chegamos lá, algumas vizinhas vinheram falar com Belle, e mandaram as mais "sinceras" condolências.

Entramos na casa de minha tia, que parecia muito com a minha casa. Na sala havia várias fotos. Olhei algumas. Vi Belle quando era pequena, minha tia com meu pai, vi também uma foto de minha mãe. Ela estava tão linda.

-Essa é sua mãe?!- pergunta Jake.

-Sim.

- Tem certeza que não é uma irmã gêmea sua e vocês foram separadas na maternidade?

Eu ri. Realmente, minha mãe se parecia bastante comigo.

Olhei mais algumas fotos e vi uma minha, assim que meu pai morreu. Me lembro do momento que foi tirada essa foto. Minha tia foi pro enterro do meu pai e depois passou alguns dias lá em casa. Então ela tirou essa foto, no dia em que ela veio pra casa. Ela disse que era pra guardar de recordação.

- Quando vamos voltar?- pergunta Belle.

-Amanhã. Viemos só pegar suas coisas.

-Depois que eu arrumar minha mala posso ir despedir das minhas amigas?- ela pergunta.

-Claro!

Ela sobe as escadas correndo.

Deito no sofá, cansada. Jake continua olhando as fotos.

-Esses olhos... Azul piscina.- ele fala.

Olho para ele, e ele estava segurando uma foto minha quando eu tinha uns 4 anos. Eu estava sorrindo olhando para cima com a mão no queixo.

-Ué, seus olhos também são azuis.

-Não como os seus.- ele diz.- Seus olhos parecem de outro mundo. Você parece de outro mundo, na verdade.

Eu rio. Que exagero.

-Talvez você tenha vindo da lua...- ele diz.

-Ah se fosse.- eu digo.

Belle desce a escada correndo.

-Ajeitei minhas malas. Posso ir?- ela pergunta.

-Pode.

Ela sai de casa correndo.

Jake senta no sofá. Ficamos um olhando pra cara do outro. Eu estava morrendo de tédio.

- Sua tia tem netflix?- ele pergunta.

- Você tá muito viciado sabia?

Ligo a TV, e por sorte, tinha netflix.

- Vou fazer algo pra gente comer.- eu digo.

Vou para a cozinha. Ainda era do mesmo jeito desde a última vez que eu fui lá.

O chão de madeira já estava um pouco desgastado. As paredes eram azuis claras e havia uma janela.

Abro a geladeira. Tem morangos. E... Meu deus, tem nutella! Pego o pote de nutella e a bandeija de morangos. Vejo que tem pipoca no balcão da cozinha, então vou até lá. Mas o que eu não tinha visto é que tinha um tapete no chão, ai eu tropeço.

-Ai!

-O que aconteceu?- Jake pergunta da sala.

-Nada. Só tropecei.

Tiro o tapete de lá e afasto com os pés para baixo do balcão. Quando eu dou um passo para pegar a pipoca, sinto como se o chão tivesse em falso. Piso de novo pra ver. E a parte onde eu estou pisando se mexe, pra cima e pra baixo.

Se abaixo, e eu vejo uma pequena abertura formando um quadrado. Enfio meu dedo e puxo. Era tipo uma porta secreta para o porão.

Minha família e seus segredos...

Havia uma escada, então eu desço.

Era um porão típico: empoeirado e assustador. Aperto em um interruptor e uma luz bem fraca acende. Olho ao redor. No teto havia uma pintura que reconheci na hora. Havia visto essa pintura naquela câmara secreta da minha família.

Termino de descer as escadas e vou até uma mesa. Em meio á teias de aranhas havia um livro.

Passo a mão por ele. Sai tanta poeira de cima que eu começo a tossir. Mas depois que a poeira se vai, consigo enxergar um nome.

Family Adams.

"Família Adams." Abro o livro. Começo a ler.

Ele começa contando a história do meu tataravô. Pelo que eu li, ele nasceu no Canadá, e, por não estar se dando bem lá, ele veio ao Brasil. Conclui que ele mesmo escreveu aquilo, já que algumas palavras em português estavam erradas.

A história dele era duas páginas inteiras, até o dia que ele morreu. No final, ele disse:

Para as próximas 'gerasões', escrevam suas vidas nesse livro, e vocês serão lembrados para sempre...

Então, ele termina com reticências, em vez do ponto final. Depois, na outra página, outra história. Do meu bisavô. Ele teve uma filha.

Minha avó contou a próxima história, a dela. Por fim cheguei na da minha mãe.

-Kristy? Você não vai vim?- Jake me chama.

-An... Já estou indo.

Fecho o livro, e percebo que ao lado dele havia uma caneta. Na verdade não era uma caneta, era uma daquelas coisas que se escreviam antigamente, uma pena e um potinho com tinta preta.

Pego o livro e a pena com a tinta e levo lá pra cima. Fecho a porta do porão, e coloco o livro dentro da minha mochila.

Levo os morangos com nutella e a pipoca para a sala, onde Jake estava me esperando no sofá.

-Onde você estava?

-No porão.

Se ele achou estranho, ele não falou nada. Eu sentei e ele deu play no filme.

*~*~*~*~*

-Vamos.- eu digo.

As amigas de Belle dão um abraço nela.

-Promete que você vem visitar a gente?- elas perguntam.

Belle olha pra mim, quase chorando.

-Am... Claro. Qualquer dia nós vamos vir aqui de novo.- eu falo. Mas falo isso com dor no coração, porque eu sei que elas nunca vão se rever de novo.

Então nós entramos no avião. Sinto náuseas só de sentar naquela poltrona e saber que daqui a pouco vou estar a uns 10.000 metros do chão.

Assim que já estávamos lá em cima, voando, puxo o livro da minha mochila.

-O que é isso?- Jake pergunta.

-Achei no porão da casa da minha tia. É um livro de família, onde desde o meu tataravô as gerações vem contando suas histórias.

-Legal.- ele diz.

Abro o livro. Ele é bem grosso, mais a grande maioria de suas páginas não estão usadas.

Começo a ler de onde eu parei: na história da minha mãe.

Ela devia ter mais ou menos uns 16 anos quando estava escrevendo essa parte.

"[...]Não estou escrevendo isso porque quero ser lembrada, estou escrevendo... Realmente, eu não sei porque estou escrevendo isso. Talvez seja pra mim não sentir tão só. Hoje de manhã sofri bullyng na escola. Sou branca demais, pálida demais. É o que dizem. Estou só. Ninguém me escuta, e quem me escuta não está aqui. Meu irmão viajou, está em uma faculdade bem longe daqui, e minha irmã é pequena demais para entender as coisas. Bom, nem eu entendo as coisas. Porquê as pessoas não gostam de mim? É por eu ser má demais ou boa demais? Eu realmente espero, de todo o meu coração, que a próxima pessoa que escrever nesse livro (talvez meu filho ou minha filha), não sofra que nem eu, que não seja tão só que nem eu. Eu realmente espero[...]"

Eu já estava quase com os olhos lacrimejados quando o avião pousa. Guardo o livro, e nós descemos.

AloneOnde histórias criam vida. Descubra agora