CAPÍTULO II - O Filho da Escuridão

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Capítulo Dois

O Filho da Escuridão

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, quando o ônibus 226 da empresa Eldorado parou no segundo ponto da Cidade Alta, às três horas da manhã, e um cego, conhecido pela vizinhança como o velho Edgar, entrou, das poucas pessoas que estavam presentes, no transporte, nenhuma delas podia imaginar que antes do final do dia ele enfrentaria um dos maiores dilemas humanos conhecidos; a certeza do fim de sua própria existência.

O velho Edgar, até o fim do dia, vai ter um encontro inesperado com uma criatura muito antiga, que vive em um mundo onde a luz não existe e que já caminha sobre a Terra muito antes do alvorecer da humanidade.

Desde criança, Edgar parecia compreender o que significava viver em um mundo sem luz, pois ele mesmo estava mergulhado nas trevas desde o seu nascimento.

Graças a sua cegueira, ainda na pré-escola, ele percebia o mundo a sua volta melhor e mais profundamente que qualquer pessoa que ele conhecera na vida, inclusive outros cegos. Ele conseguia com facilidade adentrar a mente e o coração das pessoas a sua volta.

Longe de perceber essa habilidade como um dom, Edgar a entendia como um fardo.

Desde criança se acostumou a ouvir, de uma forma pouco positiva, comentários sobre a escuridão na qual ele vivia mergulhado, muitas pessoas chegavam ao absurdo de afirmar que prefeririam morrer a viver sua realidade cega. Ele, no entanto, quando estava sozinho, ficava pensando na vida miserável e cativa que aquelas pessoas levavam; coisas que a maioria delas nem cogitaria pensar.

Fosse por conta da dificuldade de perceber além dos seus sentidos, fosse por uma questão religiosa; a verdade é que talvez a luz, essa sim, deveria representar a cegueira na vida dos homens muito mais que a escuridão.

Edgar entendia que diante da luz todas as formas se convergem em um nada disforme. Ele sabia, por exemplo, que se fosse possível separar quatro pessoas desconhecidas e colocá-las em um espaço confinado e escuro, no final de um período de tempo elas buscariam umas as outras.

Em outra situação hipotética, parecida com a anterior, no entanto com o espaço bem iluminado, os indivíduos se manteriam distantes uns dos outros, estariam desconfiados, arredios e prontos para se enfrentarem se fosse o caso.

No seu íntimo, Edgar considerara muitas vezes o quão cego a maioria dos homens é e os quais cegos poderiam se tornar dadas as circunstâncias.

O fato é que, em breve, ele estará diante de alguém que o compreendia melhor que qualquer um; uma forma de vida diferente, inteligente, inimaginável para aqueles que vivem na ditadura da luz, uma criatura que conhecia o mundo, quando ele ainda era outro mundo.

Uma hora antes do encontro dele com seu destino, o velho Edgar estava lá sentado no seu jornal, na estação tentando imaginar uma maneira de voltar pra casa.

Ele já tinha percebido que os ônibus não estavam circulando, a estação foi caindo aos poucos no silêncio, e todas as pessoas a sua volta tinham fugido apressadamente sem um motivo claro para ele.

A despeito das contas a pagar, que povoavam sua mente como marimbondos furiosos e da fome que já começava a sentir, ele sabia que não conseguiria mais nenhum centavo ficando ali, então ir embora era a coisa lógica a fazer, não fosse a curiosidade sobre a identidade de quem sussurrou seu nome, duas vezes naquela tarde.

Edgar pensou que estivesse ouvindo coisas, afinal o isolamento sempre foi um inimigo da razão e ele já tinha um histórico de loucura na família; a avó materna de sua mãe.

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