A famosa "toca do lobo" era uma cabana rustica, localizada no meio da floresta. Não ficava escondida embaixo da terra, nem dentro de uma gruta, ou coisa do tipo. Não, a graciosa cabana ficava bem visível, para qualquer um que quisesse ver.
- Eu sempre estou na floresta, e muita gente da irmandade também. – Comecei. – Mas, nunca vi esse lugar. Como...
- Uma bruxa. – Orion falou calmamente, enquanto retirava a jaqueta e a sacudia, para se livrar dos flocos de neve. – Ela mantém um feitiço em torno de toda a minha propriedade. Ninguém consegue ver nada, muito menos conseguem me localizar.
- Temos muitos magos poderosos trabalhando conosco, não é possível que a sua bruxa seja mais forte que eles. – Rebati.
- Talvez ela não tenha todo o poder dos seus "poderosos magos", porém é muito mais inteligente que eles.
- Eu a conheço? – Indaguei.
- Você trabalhou com ela durante um bom tempo, certo?
- Lauren? Isso não é possível! – Estava perplexa. – Pensei que você... – Corei profundamente, ao perceber a minha gafe.
- Que eu a havia matado? – As sobrancelhas ruivas deles se ergueram. – Não sei o porquê, mas isso não me surpreende.
- Onde Lauren está?
- Escondida. – Respondeu. – Não poderia correr o risco de ela ser morta por minha causa. – Ele abriu um pequeno armário e tirou de lá algumas coisas. – Quando a sua irmandade descobrir tudo o que estou tramando, eles virão atrás de todas as pessoas que me ajudaram. Por isso não poderia correr o risco de machucar Lau. – Orion me olhou, com aqueles belos olhos cor de âmbar. – Ela é o mais perto de mãe, que um dia pude ter.
- E o que você quer, Orion, que a irmandade tem em mãos?
- Eu quero o livro que contém todas as anotações do Victor. – Respondeu.
- Para criar mais da sua espécie?
- Não, Daphne, esse não é o meu grande sonho. Jamais desejarei que alguém carregue essa maldição, pois ser lobisomem não é a melhor coisa do mundo. – Explicou. – Victor conseguiu o inimaginável, na época dele. Ele conseguiu transformar um animal em um homem, usando somente de ciência.
- Você tem certeza disso? O Sr. Cientista Maluco, poderia ter tido a ajuda de algum mago, bruxa, ou qualquer um ser com dons. – Retruquei. – É meio insano pensar que um homem pode transformar um animal num homem, principalmente se formos analisar a época em que Victor viveu. A ciência nem mesmo estava tão evoluída, Orion!
- O doutor era a criatura mais inteligente que conheci, ele estava a anos luz da ciência da época. Ele mesmo criava e fazia acontecer feitos revolucionários. Victor Frankenstein me criou, ele fez o primeiro lobisomem do planeta.
- Certo, o Sr. Frankenstein pode não ter usado uma pessoa com poderes, mas isso não justifica o não uso ou uso da magia. Ele mesmo pode ter tido poderes, e você nem parou para pensar nisso, estou certa?
- Isso está fora de questão.
- Não quero mais discutir isso. – Suspirei. – Você é tão teimoso. – Sentei na cama e fiquei olhando o chamuscar da lareira. – Isso é tudo tão insano, né? – Divaguei depois de um tempo.
- Do que você está falando? – Orion tirou a camisa, para vestir um grosso casaco de lã.
- Cresci com pessoas murmurando as diversas regras que eu deveria seguir, e me dizendo o que era proibido e que eu deveria me manter afastada, ou então caçar e matar. – Ri sem humor. – Agora, quebrei uma porção de regras, somente nessa tarde. Porém, acontece que eu não estou totalmente arrependida. – Tracei com o dedo a os desenhos da coberta da cama e continuei. – Acho que isso se deve pelo fato de eu nunca saber o porquê de odiar os lobisomens. – Relanceei um olhar para Orion. – Me disseram que outra pessoa havia feito você e não o Victor, por isso questionei você quanto as capacidades da ciência da época do Frankenstein.
- Falaram que outro cientista me fez? – Ele franziu o cenho.
- É questão de lógica, né? Não houve registro de ataques no século XIX, os números vieram quase um século depois.
- Para mim está bastante claro.
- Então me explica, pois de nada estou entendendo. – Retruquei.
- A irmandade foi criada após a ocorrência do primeiro ataque, que foi naquela vila no interior da Alemanha. – O ruivo argumentou. – Quando eu supostamente ataquei a primeira chapeuzinho, e então me levaram para Victor.
- Eu sei dessa parte.
- A família Underwood tinha um negócio familiar de armadilha. – O ruivo continuou a explicar. – No entanto, não havia mais lucro, e os seus antepassados estavam à beira da falência. – Orion se aproximou da lareira e mexeu no fogo, com o atiçador. – Foi então que eles tiveram a grande ideia de criar o boato de que um grande lobo estava atacando vítimas inocentes. Eles contratavam pessoas e as pagavam para relatar o falso ataques que sofreu.
- Você...
- Deixa eu terminar. – Me interrompeu. – O problema era que os lobos estavam extintos nessa região.
- Com exceção de você. – Murmurei.
- Sim, com exceção de mim. – Concordou. – Foi então que eles souberam da existência de um único lobo, que vivia no alto das montanhas. Então, conheci a primeira chapeuzinho e o resto da história você sabe. Porém, você precisa saber o motivo de eu ser levado para Victor.
- Eu já sei, ele era doido...
- Não, Victor era um fascinado por criações que ultrapassavam a sua época. Qualquer um com ideias revolucionarias e inovadoras é taxado de louco. – Orion retrucou. – O doutor Frankenstein foi procurado pela sua família, pois eles acidentalmente haviam matado o único lobo da floresta e queriam que Victor desse algum jeito para trazer o lobo novamente a vida.
- Foi na mesma época que ele estava criando aquele monstro. – Falei. – Mas mesmo assim ele quis ficar com você.
- Frankenstein fez muito mais do que me trazer a vida, ele me transformou no que eu sou. – Orion disse. – Quando a polícia foi atrás dele e do seu assistente, fui junto. Quando o mostro ganhou vida, eu também ganhei. – O ruivo se sentou do meu lado, na cama. – O problema, é que Victor tinha um código de moral bastante elevada, e ele não admitia que as suas criações fossem usadas com fins sórdidos.
- Ele não o devolveu para os meus antepassados. – Continuei.
- Não, ele sumiu junto comigo. Continuou os seus experimentos, até que eu chegasse a perfeição, ou seja, até que eu me transformasse na hora que eu quisesse e mantivesse a racionalidade humana durante a transformação. Ele era um tanto excêntrico, mas me ajudou no processo de adaptação.
- Sei, e onde a minha família fica nessa história?
- Eles caçaram o Victor, mas nunca conseguiram encontrá-lo. Aí chego no xis da questão, Daphne Underwood. – O ruivo me olhou sério. – A sua família está enganando-a todo esse tempo, levando-a a crer que eu e Frankenstein somos os culpados de todas as tragédias, envolvendo ataques de lobisomens.
- Mas se foi Victor que criou o lobisomem! – Exclamei.
- Porém, foi a sua família que tentou copiá-lo e acabaram criando os monstros que eles denominam "lobisomens".
- Eu não estou entendendo. – Murmurei confusa.
- Eles acharam o livro do Victor, na verdade um deles, e decidiram se guiar pelas anotações e fazer o seu próprio monstro. – Explicou. – Por isso os lobisomens que você caça são criaturas sanguinárias, que não pensam duas vezes antes de estraçalhar um ser humano. Eles também nunca criam uma forma humana, ou seja, ainda possuem as mesmas características mentais de um lobo comum. – Orion se debruçou na minha direção. – A sua amada família, perdeu o controle das suas merdas e soltaram por toda a terra um monstro que não mede esforços para saciar a sua fome assassina.
- Para que você quer os livros? Há anos a irmandade não toca neles, na verdade, eles ficam escondidos e vigiados 24 horas por dia.
- Eles encontraram um outro livro, com outras anotações do Frankenstein, e eu tenho medo do que a sua família pode fazer. Por isso, preciso saber da localização.
->:5
VOCÊ ESTÁ LENDO
Red
Short StoryNem todo conto de fadas é do jeito que imaginamos... Há muitas releituras de uma mesma história, mas sempre vendo só um lado da situação: a da mocinha e do mocinho. Os vilões sempre são vistos como os únicos errados da situação, mas será que se...