5-O velocista

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Quando o caminhão de entulho parou na porta da garagem, eu já me preparava para pular. Assim que pulei, caí e rolei no asfalto para amortecer o impacto, por sorte ninguém da transportadora de entulho notou a minha presença até que eu já estivesse do outro lado da rua. Essa zona da cidade eu conheço bem, uma área com pequenos prédios de quintal aberto feito pelo governo, sempre que eu passava aqui andando de carro com meu pai me imaginava na China.

Andei mais dois quarteirões tentando não chamar atenção, mas era impossível com essa calça, esse cabelo e a camisa que no momento eu não vestia. Resolvi entrar em um dos quintais, não sei se chamaria de quintal ou fundo de prédio pois era o que parecia. Digamos que era basicamente assim: tínhamos os prédios 1, 2, 3, 4 e o fundo que seria um pátio livre, nosso governo não tem bons engenheiros. Logo após o pátio tínhamos os prédios 5, 6, 7 e 8. Em cada apartamento havia uma pequena varanda onde os moradores penduravam suas roupas para secar, e em uma das varandas no primeiro andar estavam penduradas algumas roupas, peguei uma calça moletom preta com listras brancas nas laterais e uma camiseta regata azul. Não foi difícil subir, havia um vaso grande de planta próximo ao prédio, tudo que fiz foi me apoiar no vaso, pendurar na barra da varanda e puxar a roupa, então ali mesmo eu me vesti.

Saí correndo descalço, passei por um senhor e tentei para-lo para perguntar a hora, mas o homem se assustou, tirou 50 reais do bolso e saiu correndo pedindo que não levasse mais nada. Fiquei segurando a nota olhando o homem fugir, bom, agora tenho dinheiro para um calçado e o ônibus. Fui no mercado mais próximo possível, um mercadinho azul próximo a uma lanchonete. O homem me atendera educadamente e me indicou onde estavam os calçados, peguei uma sandália azul, eu amo azul. Tamanho 39, flexível, fina, mas servia. Fui até ao freezer do mercadinho e vi meu reflexo, eu realmente preciso cortar meu cabelo. Nossa, tem algo diferente, essa não era minha altura até alguns dias atrás, olha esses braços, eu parecia bem mais alto e forte. O homem me olhava do balcão e gargalhava, fiquei constrangido, então paguei.

— Sabe, tem um bom cabeleireiro a dois quarteirões daqui, é um grande profissional. — disse o homem.

— Não, obrigado, tenho que ir pra casa. Qual o preço do refrigerante? Ah, você tem horas?

— Claro jovem. — levantou o pulso e olhou o relógio brilhante. — São exatamente 7:20 da manha.

Minha nossa, achei que já era umas 10:00, ainda dava tempo pegar um ônibus, ir em casa e voltar para a escola. Saí da loja e decidi que já havia corrido demais, então andei até o ponto de ônibus ali perto e peguei o ônibus que me deixaria mais próximo de casa possível. A viagem foi um pouco longa e os passageiros não paravam de olhar pra mim, talvez estranhavam meu cabelo castanho espichado.

Chegando ao meu ponto desci apressado, comecei a correr para chegar em casa a tempo. Corri três quarteirões até chegar em minha rua, uma rua curva com passeios baixos, meio fios pintados de branco, cada casa era separada por uma pequena cerca, na frente de cada casa tinha um jardim e a casa mais próxima de um dos poucos pontos de ônibus da rua era a casa do fofoqueiro Huterfield, o velho que nunca parava de mexer no gramado. Quando ele me viu largou a mangueira e gritou:

— Seu pai tá te procurando. — novamente isso. Corri e fingi que não ouvi, estava feliz por meu pai já estar em casa, mas não sabia o que dizer a ele.

Minha casa era bem simples, tinha uma garagem à esquerda onde eu guardava minha bicicleta e meu pai guardava a caminhonete, tinha um varanda, uma escada e na frente um pequeno jardim mal cuidado, um jardim marrom, digamos assim.

Bati a porta e rapidamente abriram, Dr. Jaques me atendeu, ele usava uma calça social cinza, uma camisa branca e uma gravata azul com listras brancas na vertical, seu penteado era impecável, ele realmente se parecia com Julius Kane.

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