Parte VI

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"Não, não, não..." repetiu César várias vezes desesperado ao ver as filhas correrem, de pijama de bolinhas, carregando o intuito de pular no colo dele. Não se passou por sua cabeça que as meninas estariam acordadas as cinco da madrugada, esperando-o de frente a porta, sentadas sobre o tapete branco de veludo no chão. César não podia pegar pesos. Admitia, suas filhas eram pesadas! Comiam acima do necessário e o resultado eram as gordurinhas.

Lua e Maria estranharam a recusa dos abraços, pois o homem sempre demonstrou adorar aquilo. Para compensar e evitar os olhares tristes, ele trouxera as barbies, uma idêntica a outra. Tudo delas precisava ser igual, caso contrário discutiam por uma ter algo melhor ou mais bonito.

O táxi, por gorjeta, botou as malas do César para dentro do sobrado e depois se foi no carro amarelo, levando a irmã do cliente para a casa dela, pela rua deserta e sem calçamento do bairro Parque Granjeiro. O sol já começava a nascer sob as únicas três casas da rua, ao lado das quais existiam terrenos cercados, contendo placas informando "vende-se" e um número para contato logo abaixo. Tratava-se de uma área ainda com poucos moradores. No fim da rua existia um enorme abismo.

Se você, leitor curioso, não tem o costume de ouvir histórias de terror, talvez este seja o momento de parar a leitura, pois possui um embasamento real. Entretanto, se você não acredita no sobrenatural, então vá em frente, prossiga e quem sabe essa história mexa com você de alguma maneira.

A manhã se estabeleceu fria como a noite passada. Lúcia lavava a louça quando ouviu a voz de uma das filhas gritar, lá do andar de cima. Enxugou as mãos, deixou os objetos ensaboados, subiu apressada. Encontrou as gêmeas ao lado do irmão mais novo. João queimava em febre e seu corpo estava cheio de carocinhos.

"Se afastem dele!" ordenou a mãe. "É catapora!" diagnosticou com a voz da experiência.

As meninas se entreolharam. Já tinham ouvido falar da doença; fazia a pele, em todas as partes do corpo, ficar cheia de bolinhas que coçavam bastante, sem contar a febre. A catapora durava dias ou semanas e podia ser transmitida através de um simples abraço. Quem já havia pegado, difícil pegar novamente; era o caso dos pais.

João, acordado, porém confuso, observou o pai chegar atrás da mãe.

"O papai já chegou?!" disse com a voz manhosa.

Lúcia saiu para procurar o termômetro. César se aproximou, abaixou-se ao lado da cama e pôs as costas das mãos na testa do garoto.

"Você tá com uma baita febre, campeão!", murmurou.

João fechou os olhos e suspirou. A mãe retornou, colocou o termômetro de baixo da axila dele, esperou alguns segundos, anunciou triste "Trinta e nove graus". João quis chorar após levantar e ver o próprio reflexo no espelho de corpo inteiro do quarto. Eram muitas bolinhas avermelhadas. O desejo maior e crescente era de arrancar todas com as unhas... como coçavam!

"Não faça isso!" ordenou o pai, tirando a mão do filho da própria barriga "se coçar, pode inflamar, vai ser pior... Eu vou compra uma pomada".

Naquele momento, enquanto todos olhavam para ele, diante do espelho, João começou a narrar o que acontecera na noite anterior, como se tivesse recordado naquele instante. Já dito antes, todos afirmaram não passar de um sonho. Um pesadelo, no máximo. "Foi real!" ele retrucou. Pulou na cama. Começou a chorar. Voltou a se enroscar no cobertor para combater o frio. A ideia do pesadelo amadureceu um pouco em sua cabeça. Afinal, a mente engana, não engana?!

As meninas deixaram escapar risadinhas da confusão do irmão.

Os pais o consolaram um pouco, e logo todos os saudáveis desceram; menos César, permaneceu no cômodo por insistência do enfermo. Ficar sozinho? Jamais! Mesmo que tenha sido um sonho... Não foi comum; um aviso, talvez?!

Gostou? A próxima parte será liberada amanhã. Deixe seu voto e comentário. (;

REZADEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora