REZADEIRA

Parte VIII

O Baphomet— figura de homem com cabeça de cabra chifruda — é considerado um símbolo satânico. As cabras, em relação às ovelhas, eram mais desobedientes e usadas em sacrifícios bíblicos. O Baphomet, para muitos, é tido como o deus dos bruxos, absurdo meio de zombar da Ovelha, do Cristo, que se sacrificou por todos os nossos pecados.

Os olhos de Lúcia, por alguns segundos, se abriram mais do que o comum, mantendo-se oblíquos e assustados. Você já passou por algum evento parecido? Pode ter sido algo mais simples, como o desaparecimento de um pertence, o desligamento, sem comando, da TV, uma lâmpada que se apagou por conta própria, o inexplicável barulho quando estava sozinho... Este último é um fato a se pensar. Incontáveis vezes escutamos barulhos aos quais não conseguimos atribuir justificativa lógica, porém mesmo assim, na maioria das ocasiões, nosso cérebro deixa passar sem estranhamento. Em algum momento parou e pensou que pode realmente ser uma entidade, um demônio? Já parou pra pensar que ele pode estar atrás de você agora, sorrindo por sua leitura de algo da natureza dele? Há possibilidades... Lúcia era exatamente o tipo de pessoa que sempre descartou essas possibilidades, mesmo nos casos mais extraordinários.

Maria argumentou ser impossível tratar-se de uma obra sua, porque quebrara, sem querer, a chave da sua caixinha de material de pintura na semana passada, desde então a mesma se mantém fechada. O objeto amarelo tremia nas mãos para comprovar.

"Eu vou contar ao pai de vocês, então nós descobriremos quem fez isso!" ameaçou a mulher, saindo chocada do cômodo com a contagem regressiva diabólica corroendo a cabeça. Lembrou-se do caso da rezadeira, mas se convenceu de que realmente fora uma das meninas. Aonde elas viram aquele símbolo, a cabra? Nem assistiam a filmes de terror.

Lúcia entrou no quarto do João, apenas ele estava lá. Tinha os olhos inchados de tanto chorar. A mãe pegou na sua testa, verificando um pouco de febre. Aquela catapora estava forte! Sentou na cama ao lado do filho.

"Você está bem?"

Ele teve vontade de chorar novamente, porém não havia mais lágrimas, aparentemente. Encontrava-se longe de estar bem, muito além do que só devido à doença. Balançou a cabeça em sinal negativo.

"Onde está o seu pai?"

Uma lágrima fina escorreu pelo rosto da criança.

"Ele foi... Comprar a minha... pomada" choramingou.

"Tão cedo?" estranhou, suspirou e continuou: "Você vai ficar bem, João, não precisa chorar". Com amor, beijou a testa do menino.

Mas ele não chorava por si mesmo. Também não queria ficar mais no quarto, por isso seguiu a mãe até o andar inferior, onde observou ela preparar o café da manhã. Alguns minutos depois, todos comiam e a mãe anunciava zangada que as gêmeas ficariam o dia de castigo, sem sair para a rua, sem bonecas, sem tevê, sem desenhar, sem ler suas histórias em quadrinhos da DC Comics, sem fazer absolutamente nada divertido.

Chegado o meio dia Lúcia se estressou por seu marido ainda não ter voltado. Ligou para o celular dele. Chamava, chamava e a ligação não era atendia.

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