Parte VII

236 63 19
                                    

Os dez minutos seguintes passaram em absoluto silêncio dentro do quarto do pequeno João. Período no qual as meninas brincaram com as barbies debaixo da mesa da cozinha, enquanto a mãe preparava o café da manhã do menino adoecido (um pedaço de bolo liso, um pãozinho de queijo, uma maçã e um copo de leite achocolatado) e o colocava sobre uma bandeja de plástico amarela. Não se esqueceu do copo d'água, onde as gotas do remédio para a febre dissolveram-se.

Talvez seu erro tenha sido colocar a água com o remédio em um copo de vidro. Mas, também, como adivinharia que o mesmo quebraria, inexplicavelmente, nas mãos do João, quando este estava prestes a beber o líquido? O copo era resistente, novo, e estava intacto, então foi inacreditável. João alimentou-se com o café da manhã lentamente e a mãe desceu para pegar outra dose do remédio, minutos mais tarde.

O pai limpou os cacos de vidro e os deixou no canto do quarto, atrás da porta, só por o tempo em que o menino não o permitia sair do cômodo, pensou. Porém esqueceu-se de avisar a mulher, dessa vez com o antibiótico em um copo de plástico. Os cacos ficaram por ali mesmo...

Com o decorrer do dia, João manteve a quietude na cama. O pai passou o tempo todo lendo um livro de filosofia. A mãe ocupou-se com os afazeres domésticos (dentro de sua mente, julgava-se sobrecarregada, precisavam de uma empregada), Maria e Lua ajudaram Lúcia um pouco e depois foram brincar na calçada com seus bambolês coloridos.

O sol do outro dia nasceu com novas surpresas. Para João, surpresas já haviam ocorrido antes que o sol chegasse.

"Três, dois, um... A um passo do inferno" escutou o menino as três da madrugada, um sussurrar baixinho, quase inaudível, vindo de baixo da cama. A voz era rouca e parecia ter dificuldade para produzir as palavras. No escuro intimidador do quarto, João notou o seu pai se mexer. César acordou. Levantou. O que aconteceu em seguida deixou o garoto dominado pela catapora chorando por horas, apavorado. A cada barulho de baixo da cama, uma dor no coração amaldiçoado, um alfinete na alma, um poderoso grito reprimido.

***

"Mamãe, mamãe!" gritou Lua, balançando Lúcia pelos ombros, "Vem ver o que a Maria fez no nosso quarto".

Lúcia se sentia cansada para levantar às seis horas, mas o fez. Lua pareceu muito atordoada.

No quarto das gêmeas, entre o quarto do casal e o quarto do João, Maria chorava e negava constantemente "não fui eu, mamãe, não fui eu".

Abaixo da galeria de desenhos da Maria, na parede, desenhada a tinta guaxe vermelha de forma rústica, uma frase e um homem com cabeça de cabra chamavam atenção:

Três, dois, um... a um passo do inferno.

Gostou? A próxima parte será liberada amanhã. Deixe seu voto e comentário. (:   

REZADEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora