2 * P.V. FELIPE

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Eu nunca fui um aluno muito exemplar. Na verdade eu nunca gostei de estudar nada, porque não via utilidade nas matérias. Desde o ensino fundamental, minhas notas eram baixas, mas suficientes pra passar de ano. Ainda assim, consegui a proeza de repetir o nono ano. Eu até fiquei um pouco chateado por perder mais um ano da minha vida com as mesma coisa, revendo os mesmos professores, mas deixei pra lá, não tinha muito o que fazer.

Minha mãe ficou muito chateada, disse que poderia ter pedido ajuda a ela, que ela podia ter tentado me ensinar. Mas ela nem tinha tempo, trabalhava o dia inteiro num salão de beleza, às vezes ficava até depois de meia-noite antendendo clientes. Ela se preocupava comigo e com o meu irmão, mas não tinha muito tempo pra saber o que a gente andava fazendo. Até porque, depois que ela teve o Bruno, meu irmão caçula, contratou uma moça pra ficar cuidando dele (ele é bem bagunceiro, diga-se de passagem).

Já o meu pai, foi embora de casa quando eu era pequeno. Eu não tinha muito contato com ele, ao contrário do Bruno, que parecia conhecer cada detalhe da sua nova vida. Eu é que não queria fazer parte disso.

Na época, ele disse que conheceu outra mulher e que se apaixonou por ela. Então simplesmente nos deixou. Como é que alguém constrói uma família, conhece outra mulher e vai embora? Eu nunca aceitei aquilo, pra mim, foi só uma desculpa pra justificar a inconstância dele.

Minha mãe ficou totalmente sem chão, pois o amava de verdade. E eu nunca soube o que fazer para diminuir seu sofrimento, sempre achei que o meu pai tinha feito a pior escolha da vida dele.

Dois anos depois, descobri que ele já estava até casado com a tal mulher e que os dois haviam tido uma filha. Ele me chamou inúmeras vezes na sua casa para que eu conhecesse a menina, mas eu nunca tive interesse. Também nunca consegui deixar de lado aquela revolta que eu tinha em relação a ele, nem sabia se algum dia eu o iria perdoar.

Mas era uma coisa que eu ia levando, não me importava muito resolver essa questão. Além do mais, esse ano eu estava animado com várias coisas, era o ano da formatura no Colégio, eu tinha certeza de que o pessoal iria fazer uma festa enorme.

No primeiro dia de aula, logo que cheguei na sala, a primeira coisa que notei foi que o Murilo e o Gustavo, meus maiores parceiros desde o primeiro ano, já estavam lá.

Quando eu entrei nesse Colégio, o Gustavo já tinha passado um ano ali, pois repetiu o primeiro. E o Murilo entrou quando estávamos no segundo.

Eles pareceram animados ao me ver, eu me sentei na cadeira vaga ao lado do Gustavo e joguei minha mochila na mesa da frente, já que não tinha ninguém.

Na primeira aula conhecemos a professora de inglês.

Eu não gostava muito de inglês, então - literalmente - abaixei a cabeça e comecei a dormir no momento em que ela entrou. Tinha dormido mal a noite passada, fiquei toda a madrugada assistindo séries e cochilando. Poucos segundos depois, fui acordado por uma garota que me perguntou se a carteira à minha frente estava ocupada. Ela era bem gata.

"Não", levantei a cabeça devagar e retirei minha mochila da mesa. "Pode sentar aí."

Ela me olhou de um jeito meio estranho.

"Você estava dormindo?"

"Estava", eu respondi, sério. "Por quê?"

"Qual é o problema das pessoas aqui? Vêm para estudar ou para quê?"

Será que ela não podia simplesmente sentar ali e ficar quieta? Eu estava tentando recuperar o sono perdido! Vendo que eu não pretendia responder, ela deu um suspiro impaciente e colocou sua bolsa em cima da mesa. Não precisava nem conhecê-la pra saber que era uma patricinha chata. E com certeza tinha todas aquelas frescuras de uma garota mimada. Ela olhava para todos os lados, com cara de "eu não sei o que estou fazendo aqui". Acabei me identificando um pouco com ela quando me lembrei de que na quinta série eu também me senti completamente perdido na sala em que estava, então resolvi perguntar se ela precisava de alguma ajuda.

"Você é nova, não é?"

Ela se virou de repente para trás e me encarou como se não tivesse escutado direito.

"Tá falando comigo?"

"É, eu estou, sim."

"Infelizmente sou. Porque eu estou achando tudo muito esquisito!"

"Ah, me desculpe perguntar", levantei as mãos de forma inocente. "Só estava tentando ser simpático..."

"Tudo bem. Você tentou. Agora, se não se importa, quero prestar atenção no que a professora está dizendo."

Apenas balancei a cabeça, sem entender como as mulheres conseguem falar tanta coisa sem noção ao mesmo tempo.

Depois de inglês, foi o professor de História que entrou, explicando um pouco de como dividiria as notas em cada bimestre e pedindl que a gente falasse das nossas férias. Como se alguém estivesse interessado nas férias dos outros! Os alunos estavam com a maior cara de tédio, só o professor não percebeu.

A garota que sentava na minha frente se levantou do nada e pediu pra ir ao banheiro. Claro que aquilo foi mais uma desculpa pra dar um passeio pelo lado de fora, porque ela estava com o celular no bolso, e meio que não é necessário levar o celular pro banheiro.

Gustavo cutucou o meu ombro assim que ela saiu, me fazendo virar para o lado.

"E aí?", ele apontou o queixo para a cadeira à minha frente. "Qual é a da gata aí?"

Demorei pra entender.

"Do quê você tá falando, cara?"

"Ela é gostosa. Acho que está dando mole pra você."

"Sei", dei uma risada. "Pelo visto ela é muito chata, isso sim..."

"Se eu fosse você, dava logo um jeito de agarrar..."

Calamos a boca quando a porta se abriu e ela entrou, completamente séria. Ela caminhou devagar até a cadeira. Comecei a reparar na sua aparência de maneira discreta. Ela não era muito alta, tinha cabelos compridos e castanhos. Quando olhei nos seus olhos, ela fez a mesma coisa, mas não de propósito. Engoli em seco e desviei pro caderno na mesa, mas pude sentir o seu olhar em mim até ela se sentar.

Meu Mundo ao AvessoOnde histórias criam vida. Descubra agora