3 * P.V. ISABELA

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Apesar de não estar muito animada com o colégio, havia um fato que estava me deixando ansiosa pelo fim de semana: eu fui convidada pra participar da programação de um evento em um clube bem famoso aqui na cidade, onde eu, junto com mais três pessoas, cantarei num palco.

AAAAAAAAA

Eu sempre fui simplesmente APAIXONADA por cantar, desde que me entendo por gente. Eu gostava de cantar músicas pop internacionais e sempre sonhei em ser como os cantores de maior sucesso. É tão impressionante como eles conseguem tocar o coração das pessoas com a música que fazem, como conseguem mexer tanto com as emoções! Sempre foi algo que eu sonhei em fazer.

Com quinze anos, implorei pros meus pais me colocarem numa aula de canto. E foi assim queeuu consegui entrar numa escola de música. Com dezesseis anos, participei de um evento da própria escola e cantei "Lovely", da Billie Eilish. Foi um evento entre alunos e professores, muito legal.

Os meus pais sempre acharam que aquele lance de música era visto por mim como um hobby, então nunca me apoiaram levar isso pro lado profissional. Eles sempre achavam que, em algum momento, eu arranjaria um emprego "de verdade" ou, talvez, ao entrar numa faculdade, desistisse de cantar.

Eu até cheguei a explicar pra eles que aquilo se tratava de um sonho, não de algo passageiro, mas eles nunca se conformaram, sempre insistiam que eu devia cursar direito ou medicina, embora eu odiasse ver tribunais ou pessoas machucadas.

As aulas que fiz me ajudaram a melhorar muitas técnicas. E, obviamente, isso garantiu a minha apresentação nesse clube, pois, antes de ser escalada pra participar, eu precisei fazer um teste, e o homem que avaliou adorou a minha voz e disse que, com certeza, queria que eu fizesse parte da programação do dia. Ele também disse que, além de ter a voz bonita, eu tinha muita noção de técnica. Eu me senti absolutamente profissional!

Estava doida pra que o fim de semana chegasse, mas as aulas pareciam um fardo a carregar.

No primeiro dia, não fizemos nada de útil, os professores ficaram pedindo pra gente se apresentar, perguntando sobre as nossas férias...

Eu até comecei a aceitar um pouquinho esse ambiente novo ao ver que a Júlia estaria na mesma sala que eu durante todo o ano, mas muitos fatores também estavam me irritando. Atrás de mim senta um garoto muito chato, que não presta atenção em nada e não para de falar a aula inteira. Se poupe, né, queridinho?! E aqueles amigos dele, então! Dois bebês que ficam fazendo brincadeiras idiotas como xingar uns aos outros, jogar bolinhas de papel ou rir de coisas fúteis.

Eu realmente precisava ter uma conversa séria com meus pais e convencê-los DE UMA VEZ POR TODAS de que ali não era o meu lugar. Mas eu tinha certeza absoluta de que eles nem iriam me ouvir. Eles nunca me ouviram. Em todas as vezes em que eu tentava puxar algum assunto, eles ignoravam completamente o que eu estava falando e interrompiam a conversa pra atender o telefone ou organizar papéis - por mais que já estivessem organizados.

Quer dizer, eu sei que eles são donos de uma empresa e que com certeza têm muito trabalho, mas eles nunca TENTARAM ser atenciosos. Eu sempre achei que eles não gostassem de mim, por mais que me dessem dinheiro pra comprar - quase - tudo o que eu queria. Mas dinheiro não compra estabilidade psicológica!

Em um momento, quando meus pais finalmente chegaram do trabalho, confessei a eles que tinha achado o Colégio esquisito.

"Isabela, será que você pode TENTAR ser menos pessimista?", minha mãe ficou estressada por eu estar voltando naquele assunto. "Meu Deus. Seja um pouco mente aberta, minha filha. Você precisa fazer um esforço, afinal, ainda tem um ano inteiro pela frente e sabe que vai ficar lá durante todo este tempo. Reclamar o dia todo não faz bem pra sua saúde."

"Eu juro que estou tentando, mas realmente não tenho motivos pra gostar de lá", contestei. "Além do mais, eu sinto muita falta do Tigers! Eu já tinha feito tantos amigos lá! A única pessoa conhecida que eu encontrei nessa escola estranha foi a Júlia, aquela garota que era nossa vizinha. E, tá legal, eu admito: ela é uma pessoa incrível, mas o resto dos alunos não tem nada a ver comigo! Eu não devia estar lá! Meu lugar é no melhor colégio dessa cidade, onde com certeza eu me identificaria com mais alguém, já que todos por lá tem dinheiro..."

"Isabela!", meu pai exclamou. "Sua mãe e eu não te educamos assim, como uma garota esnobe que se acha melhor do que os outros só porque tem dinheiro. E se fosse com você? Você iria gostar se te tratassem assim?"

"Mas não vão me tratar..."

"Quer saber", minha mãe falou finalmente. "Você está nesse colégio por SUA culpa. Você foi expulsa! Não fui eu. Nem o seu pai. Foi você que arrumou uma briga e saiu de lá. Você já está bem grandinha pra saber que os seus atos têm consequências. Não vou ficar aqui discutindo com você;"

Não vou ficar discutindo com você. É sempre isso que ela diz quando quer terminar uma conversa comigo por achar que eu estou sendo chata. Eles realmente não se importam comigo.

A discussão me fez lembrar do dia do ocorrido. Na época em que eu bati na garota, a diretora me chamou em sua sala (junto com a menina) para conversar. Logo, ela acabou por dispensá-la, dando como justificativa o fato de que precisava ficar a sós comigo.

"Isabela", ela olhou bem pra mim. "Notei que suas atitudes têm ficado muito estranhas ultimamente. Não sei se você tem algum motivo pessoal pra ter batido naquela menina, mas quero que saiba que nada na vida se resolve com agressividade. Você não pode simplesmente cismar com a cara de alguém e bater na pessoa por isso. É pra isso que existe o diálogo!"

"Eu não cismei com ela!", eu a interrompi bruscamente. "Foi ela quem começou!"

"Sim, Isabela, mas você devia ter se aproximado dela e chamado pra conversar, não sair agredindo!"

"Sempre deu certo pra mim...", falei baixinho, sem me importar muito com o "sermão".

"Pode até dar certo pra você, mas não é o CERTO a se fazer.", ela me olhou séria. "O Tigers é uma escola, há regras a serem seguidas aqui dentro. Você tem que tentar fazer amigos, não inimigos."

Quem ela achava que era pra falar o que eu devia ou não fazer?! E quem ela achava que era para afirmar que eu estava fazendo inimigos?!

"Entregue isto para os seus pais.", disse ela, ao pegar uma folha e começar a escrever qualquer coisa. "Preciso ter uma conversa com eles", dobrou-o e me entregou.

Ao sair da diretoria, abri o papelzinho e li para mim mesma.

"Devido a comportamentos inadequados da aluna Isabela Miller Rodriguez, venho por meio deste bilhete solicitar que os responsáveis Márcia Miller Peregrini Rodriguez e Fernando Oliveira Santana Rodriguez compareçam ao Colégio amanhã, dia 09/11, para reunião particular com a diretora.
Grata pela atenção. Laura Botelho."

Dobrei o papel novamente, revirei os olhos e enfiei no bolso. Assim que cheguei em casa, entreguei na mão do meu pai e disse que era um bilhete da diretora. Ele, que estava falando ao telefone na hora, apenas colocou o papel em cima da mesa e fez sinal de positivo com a mão.

Um pouco mais tarde, eu imaginei que nem ele nem a minha mãe se deram o trabalho de ler, porque nenhum dos dois comentou NADA a respeito. Eu só deixei pra lá, eu é que não ia ficar insistindo pra eles lerem o bilhete que falava dos meus "maus comportamentos".

Só no outro dia, quando eles receberam uma ligação da diretora, é que foram saber da reunião a que DEVIAM ter ido. E foi então que ela informou que eu nem precisava voltar no dia seguinte, que estava expulsa.

Eu nem me importei. Os meus pais, ao contrário, ficaram muito decepcionados. Segundo eles, eu joguei todo o dinheiro gasto nas mensalidades no lixo. Eu sabia que eles tinham razão, que os dois investiram muito e que eu devia ter aproveitado mais a chance. Acho que este é o meu único arrependimento na vida, pois agora estou sendo obrigada a lidar com as consequências.

Só espero que as coisas melhorem.

Meu único consolo era que no sábado eu tinha um evento super especial. E estava ficando animada...

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