8 - P.V. PHILIPPE

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Isabela e eu fomos até a biblioteca pra começar o trabalho. Logo que o sinal bateu, o Gustavo e o Murilo me chamaram, mas eu expliquei que já tinha combinado com ela.

"Você vai ficar na biblioteca?", o Murilo me olhou completamente confuso.

"Com a patricinha?", o Gustavo desconfiou. "Aí tem!"

"Não tem nada de mais nisso! Só marquei de ficar com ela porque temos que fazer logo o trabalho e..."

"E desde quando você se importa em trabalhos?", o Gustavo arqueou as sobrancelhas e apoiou uma mão na cadeira.

"Desde que a dupla do trabalho é a Isabela", o Murilo respondeu por mim. "Tá na cara que você tá a fim dela!"

"Para de falar besteira, cara! Como é que vou gostar de alguém assim tão rápido??"

"Paixão não tem nada a ver com tempo, se quer saber...", Murilo comentou.

"Ah, sei lá...", Gustavo balançou os ombros. "Se eu fosse você, aproveitaria o tempo que vão ficar sozinhos pra dar uns beijos nela..."

"Bom, eu tô morto de fome", Murilo saiu. "Se vocês forem ficar aí de papo furado, eu vou almoçar sozinho."

Dei uma risada, peguei meu caderno e desci em direção à biblioteca enquanto os dois foram comer.

Isabela estava de costas, numa daquelas mesas circulares, e não me viu chegar. Ela virava as páginas de uma revista, mas não parecia interessada no conteúdo.

"E aí?", coloquei o caderno na mesa e me sentei ao seu lado, embora houvessem outros lugares vagos. Ela finalmente me notou e fechou a revista.

"E então, por onde acha que devemos começar?", perguntei, abrindo o caderno e pegando uma caneta. "Não acho que dê pra fazer muita coisa em vinte minutos, mas é melhor que nada. Pelo menos dá pra fazer o texto da introdução..."

Ela não disse uma palavra, parecia muito distante. Olhei bem pra ela, meio preocupado, porque normalmente a gente ficava rebatendo os argumentos um do outro.

"Você tá bem?", perguntei, me questionando se ela havia escutado ao menos UMA PALAVRA do que eu disse.

Ela me olhou de repente e se ajeitou.

"... sim.", ela olhou pro meu caderno. "O que é que temos que fazer?"

Pisquei algumas vezes.

"Você é que é a garota certinha. Você é que deveria estar me explicando o que devemos fazer."

"Eu não devia estar fazendo nada!"

Ótimo. A Isabela chata voltou. Eu não sabia qual versão dela era pior... O professor podia ter me arranjado uma dupla menos complicada de se lidar. Olhei bem pro rosto dela.

"Você tá bem mesmo?"

Ela hesitou. "Isso não importa..."

Aquela definitivamente não era a Isabela que eu conhecia. Aquela Isabela da sala estaria sendo rude num momento como esse. E agora, magicamente, ela estava usando um tom normal.

"Nós não viemos aqui pra falar da minha vida pessoal!"

"Ah, tá bom então, Isabela! Desculpe por tentar ajudar! Devia parar de agir assim com as pessoas, eu só estou perguntando se aconteceu alguma coisa com você!"

O olhar dela demonstrava cansaço emocional, e me deu um pouco de pena, embora ela estivesse sendo rude.

"Você não entende!"

"Não entendo nada mesmo! Você está toda estranha e eu sou obrigado a te entender? Do que você está falando?"

"De tudo... Dos meus pais, de mim, desse lugar, dos meus antigos melhores amigos, eu não aguento mais!...", em princípio, achei que ela estivesse só reclamando, mas demorei um segundo pra perceber que seus olhos estavam começando a encher d'água. Ela limpou na mesma hora a única lágrima que desceu com a manga do casaco. Eu não fazia a menor ideia do que ela estava passando, mas vê-la daquele jeito me deixou preocupado.

"E eu estou começando a achar que meus pais me odeiam"

"Por que tá falando isso?", fiquei sério de repente, percebendo que ela estava realmente mal.

"Eles não ligam pra mim... nem parece que eu sou filha deles..."

"Não é assim que as coisas funcionam...", eu comecei a falar. "Às vezes, nossos pais têm maneiras estranhas de demonstrar o amor, mas isso não significa que não gostem de você. Eles podem estar fazendo algo na intenção de te agradar, sem saber que estão te magoando."

Eu não fazia ideia do porquê eu estava aconselhando aquela garota. Sinceramente. Ela nem gostava de mim. Eu estava agindo como um completo idiota. Talvez o meu altruísmo interior estivesse vencendo o orgulho naquele momento.

"Eu sei disso", ela continuou, se sentindo mais irritada do que triste. "Mas eles só pensam em trabalho... eu estou tão cansada de ter que implorar por atenção!"

"Por que não conversa com eles sobre isso?"

"Eu tentei", ela enxugou outra lágrima, "mas não adiantou muito"

E então ela começou a chorar. Não estava em prantos, nem nada, mas estava chorando. E ficava limpando as lágrimas totalmente em vão. Eu só consegui envolver o ombro dela com o braço e puxá-la pra mais perto.

"Ei...", eu passei a mão pelas costas dela.

Num ato involuntário, ela apoiou a cabeça no meu peito e assim ficou algum tempo, sem dizer nada. Eu fiquei me perguntando por que eu estava fazendo tanta questão de fazer ela se sentir melhor. Talvez o Murilo estivesse certo e eu tivesse mesmo uma atração por ela. Só não estava sabendo distinguir se era sentimento ou só atração.

Abaixei ligeiramente o rosto, sentindo o cheiro do cabelo dela. O seu braço passava pelo meu abdômen e a mão estava pousada na lateral da minha cintura. Eu quis tentar uma aproximação, mas fiquei com medo dela não deixar. Comecei aos poucos pra ver qual seria a sua reação... com o meu polegar, levantei sutilmente a pulseira dourada que ela usava e toquei a pele macia de seu pulso, acariciando de um lado para o outro bem devagar. Ela não disse nada, mas não tentou me impedir. Ficamos alguns segundos ali, sem dizer nada, até que ela começou a se afastar.

"Por que está me ajudando?", ela se recompôs na cadeira e me olhou nos olhos. "Achei que não gostasse de mim"

"Eu nunca disse isso"

Ela soltou minha mão.

"Você é muito diferente....", falei com sinceridade.

"Óbvio que sou!", ela fungou. "Eu tenho dinheiro pra comprar este colégio inteiro, se eu quiser."

Eu dei uma risada.

"Não acho que você possa comprar o colégio. O dono não venderia pra você. Além do mais, é muita responsabilidade, você nem saberia o que fazer com tudo isso"

"Bem, certamente, a primeira coisa que eu faria seria expulsar você. E depois pintaria essas paredes de uma cor que esteja mais na moda."

"E se eu fosse o diretor, eu também te expulsaria."

"Já pensei seriamente em arrumar uma briga aqui para me expulsarem", ela falou de uma vez, mas deu pra ver que estava falando sério.

"Eu posso ajudar", falei descontraído. "Quer que eu comece uma discussão na frente da diretora?"

Ela conseguiu rir.

"Pare com isso, Phil! Era brincadeira."

"Você... está um pouco melhor?"

Ela sorriu de lado e fez que "sim" com a cabeça.

"Vou ficar bem. Obrigada pelo apoio"

Em seguida, começamos realmente a fazer o trabalho, embora restasse apenas um cinco minutos de recreio. Conseguimos fazer um pedacinho da introdução. A Isabela fez questão de pesquisar minuciosamente as informações. Por mim, só precisávamos sair copiando tudo da internet, mas ela disse que iria ficar muito estranho se fizéssemos isso.

A única coisa estranha pra mim foi que eu não consegui tirar a menina da cabeça o resto da aula. Vez ou outra, enquanto os professores falavam, eu olhava pra ela à minha frente, imaginando quantos segredos ela não escondia dentro de si...

Meu Mundo ao AvessoOnde histórias criam vida. Descubra agora