Não consigo lembrar em que momento da minha vida "caiu a ficha" sobre a existência do Felipe. Meus pais falavam sobre ele com a maior naturalidade, como se ele vivesse conosco, mas para mim e Gabriela ele era quase como uma entidade fantástica, um ser sobrenatural, algo que não fazia parte da nossa realidade. Eu sei que já o vi pessoalmente, mas era muito pequena para me lembrar dele. Gabi jura que lembra, mas eu duvido. Devíamos ter entre 3 e 4 anos quando ele veio visitar papai pela última vez. Depois disso, meu pai, e às vezes minha mãe, passou a visitá-lo em Miami, na casa da mãe dele. Segundo meus pais comentaram, houve algum problema no voo de volta do Rio para Miami que deixou o menino com medo de voar...

Faltavam cerca de seis meses para eu completar 14 anos, quando meus pais chamaram Gabi e eu para contar que, em poucos dias, Felipe viria morar conosco. "Apesar de estar feliz por ter meu filho em casa, perto de mim novamente, quero que saibam que ele está vindo por um motivo ruim. Letícia e Henry, o marido dela, sofreram um acidente de carro e..." A voz dele embargou. Acho que foi a primeira vez na vida que vi meu pai, um homem forte, imponente, de olhar penetrante, daquele jeito. Os olhos dele ficaram avermelhados e, vendo que ele estava terrivelmente chateado, minha mãe continuou a explicar a situação. "O acidente foi muito sério, meninas. Os dois não resistiram."

Conheci Letícia alguns anos antes e, logo de cara, gostei dela. Foi em uma viagem que ela fez para visitar seus pais, em São Paulo, e depois veio ao Rio visitar meus pais e conhecer as gêmeas. Ela era muito bonita, educada e divertida. Lembro que de que Gabi não parava de atormentar a mulher por causa de seu sotaque. Minha mãe e ela de davam muito bem, o que, de modo geral, é surpreendente, visto que uma era a mulher atual e a outra era a ex – as duas mulheres da vida de papai (além de minha irmã e eu, mas em proporções diferentes, claro).

Saber sobre sua morte foi muito triste. Imagina o que o menino, quer dizer, meu meio-irmão devia estar sentindo! Me dá calafrios pensar em passar por isso um dia. Eu, hein?!

Vovó veio de São Paulo no mesmo dia em que soube sobre o falecimento para ficar comigo e Gabi pelos próximos dias. Queríamos ir – pela viagem e para nos despedirmos -, mas ninguém concordou. Ainda mais porque era semana de prova no colégio. Droga. Meus pais e meu avô foram para Miami no primeiro voo possível e voltariam, se desse tudo certo, dentro de 15 dias. Precisavam organizar algumas coisas, como a administração da casa (parece que a casa onde moravam estava no nome do Felipe, não tenho certeza). A única coisa que sei é que eles levaram mais tempo do que o esperado. Algo como 40 dias.

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