Música 4:
"O círculo mais interno se compunha de sete ou oito pessoas, o sucessivo igualmente, o terceiro tinha mais gente que os outros dois e assim por diante, tanto que no círculo exterior viam-se mais de duzentas pessoas. Como estes círculos giravam um ao redor do outro, um à esquerda e outro à direita, não conseguia ver quantos círculos havia, nem ao redor do que giravam." – Hans Grimmelshausen, O aventuroso somplicissimus
O silêncio era tão devastador naquela noite que Ferrus e Camperine sequer trocaram olhares, quiçá palavras. Achavam que sua expulsão da ilha aconteceria a qualquer momento. Mas como seria isso possível? Mergulharam, então, em pensamentos nada otimistas sobre seu futuro. Vieram à luz coisas bem antigas de suas mentes, como caldeirões gigantes cheios de legumes e personagens vivos sendo cozidos por aborígenes em desenhos animados.
Sentados no local semi-coberto onde dormiam, suavam ao relento. Tentavam entender o que tinha acontecido. A troca da chave pela arma era uma óbvia questão. Ambos achavam que, de repente, Watt pediu para ela pedir o que deveria estar com um, mas que acabou trocando de mãos por um motivo tolo.
O novo dia amanheceu e eles foram atrás de Watt. Andaram até o "hospital", mas ele não estava mais lá. Em vão perguntaram para outras pessoas sobre o que aconteceu com seu amigo. Caminharam nos arredores em busca de alguma pista, mas nada acharam.
Passaram horas olhando a ilha inteira. Talvez aquele fosse o momento mais tenso desde que o barco encalhou. Nada, porém, mudou no tratamento que os outros locais tinham com os dois. Os mesmos olhares, as mesmas tentativas de comunicação com alguns assim como a estranha simpatia já adquirida pelo convívio. Ninguém, no entanto, sabia de Watt.
O tempo estava instável naquele dia. Ao longe, nuvens baixas davam a entender que haveria chuva em algum momento. O templo não funciona quando chove, mas eles estavam prontos para ir até o local com o objetivo de continuar seu trabalho. Afinal, ninguém lhes deu ordens diferentes e a chave ainda estava no bolso de Camperine.
- Que vantagem tem a gente fazer coisas sem saber o que estamos fazendo? – perguntou Ferrus.
- Como assim?
- Você está entendendo alguma coisa do que acontece aqui?
- Nada.
- Então, como podemos viver assim? Porra!
- Você está curioso demais, Ferrus. Não é sua intenção entender, o que você quer é sanar sua curiosidade. São coisas bem diferentes.
- Vai à merda você com esse papo! Não fosse essa sua preguiça, nada disso estaria acontecendo.
- Minha preguiça? – indagou Camperine se aproximando de Ferrus
- Sua preguiça tanto de carregar o peso da arma quanto para limpar o leme quando mandei. Acha que esqueci? Nosso leme deve ter ficado com sujeira depois que passamos por todas aquelas algas antes de Taipei e por isso não consegui controlar o barco e acabamos aqui. – encarou Ferrus
- Se eu não limpei e isso era de fato importante e você sabia que eu não tinha limpado, era obrigação sua, como comandante, me obrigar a limpar ou fazê-lo você mesmo.
A única lembrança de Camperine deste momento foi a mão aberta de Ferrus em velocidade na sua direção. Depois, não via nem ouvia nada. Escuridão total por tempo desconhecido até acordar numa cama improvisada no mesmo local onde Watt estava no dia anterior. Ao se desfazer do problema com a luz, sentiu que, apesar do apagão, tudo parecia normal com ele. Ao olhar para o lado, porém, viu Ferrus todo quebrado. Parecia ter levado uma surra.
Fim dos registros encontrados no notebook que ficou no barco.
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Nem sempre dá para entender
AdventureDepois do desaparecimento de um avião perto da Malásia, barcos de busca de todo mundo saíram pelos oceanos Índico e Pacífico em busca dos destroços. Um desses barcos se perdeu e seus três tripulantes acabaram atracando numa ilha repleta de nativos c...