CAPÍTULO NOVE

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Entrou em seu carro, jogou a pasta no banco de trás, tomando cuidado para não amassar as flores cor de violeta e colocou o cinto. Há alguns minutos havia sido ignorado no elevador da sua própria empresa. Não conseguia ter uma opinião sobre aquilo, principalmente porque a pessoa que o fizera era a estagiária contratada pela Universidade Hills. A mesma que ele, alguns dias atrás, tinha tentado destruir o juízo. Riu quando saiu do estacionamento e viu ao longe uma figura em cima de uma bicicleta atravessando a rua, com certeza era a maluca.

Dobrou no caminho contrário, lembrando agora o seu destino para a noite. Prometera a mãe que iria jantar hoje na casa dos pais. Arrependeu-se quando viu a hora, já passavam das seis da noite e seu pescoço latejava, aquele tinha sido um dia de fato estressante. Problemas na editora e por incrível que pareça, problemas pessoais dele também.

Passara o dia inteiro trancado dentro da sua sala, resolvendo inúmeras pendências. Apesar do dia ter sido um tanto estressante na editora, ele inconscientemente agradecia por aquilo, e se condenava quando ficava pelo menos cinco minutos sem fazer algo. Não queria que sua mente e seus sentimentos tomassem o controle sobre o seu próprio corpo, e apesar de conseguir o feitio com maestria, aquilo não mudava os fatos.

Sabia porque a mãe insistira tanto a presença dele naquele jantar esta noite. Era o décimo aniversário de morte da sua irmã gêmea. Soava esquisito ter um jantar familiar naquele dia específico, mas respeitava a forma de viver o luto da sua mãe. Isso não significava que concordava. Muito pelo contrário, achava um absurdo todos eles se reunirem e jantarem sob a redoma de pompa em que viviam, enquanto sua irmã estava enterrada a sete palmos abaixo da terra. Sua vontade de dizer a mãe que aquilo nunca ia trazer a filha de volta crescia todo ano naquela maldita ocasião.

Dirigiu por cerca de uma hora até começar a entrar em estradas mais do que familiares. Sempre que visitava a casa dos pais, era como se voltasse a sua infância. A mansão era afastada da cidade.

Faltavam mais três quarteirões para chegar, quando parou o carro.

Tateou o banco de trás pegando as flores, sentiu a gravata o incomodar e a retirou em segundos, depois descendo do carro. Entrou em uma estrada de terra estreita a direita formada por um espaço arquitetado entre árvores altas e bonitas. No fim podia ver o portão com grades de ferro provençal.

Atravessou-o e depois de andar um pouco, entrou no que parecia um pequeno jardim muito bem cuidado, com árvores e flores pintando todo o ambiente. Continuou andando, agora sentindo os passos pesarem mais do que o normal, o vento gelado fez os olhos lacrimejarem, pelo menos era nisso que ele queria acreditar. Parou em frente a uma grande lápide de mármore branco. Em seu meio, os dizeres:

"Tallulah Vivian Fraser Meraki
1987 - 2006
A melhor filha, melhor irmã, melhor amiga. Para sempre em nossos corações."

Abaixou-se ficando de cócoras, depositando as flores sobre o túmulo. Sorriu calmo. Aquele era um sorriso raro de se ver no rosto do homem. Suspirou aliviado quando levantou. Logo entrou no carro, não podia demorar-se mais ali.

Quando parou novamente, já estava de frente a um portão alto de ferro, no mesmo estilo provençal do anterior. Apertou um botão no painel ridiculamente tecnológico do carro e o portão se abriu. Contornou o carro por uma fonte central alta de três andares, por onde a água caia em cascata e várias flores naturalmente estavam postas, emaranhando o monumento. Parou o carro em frente à grande porta de madeira escura e desceu, pegando a pasta, abrindo o porta-malas e retirando uma mochila de dentro.

Enquanto subia os degraus que davam acesso à porta, viu a mesma ser aberta por uma mulher negra um pouco rechonchuda que vestia um suéter bege e tinha os cabelos em cachos cheios. Ela abriu um sorriso de dentes muito bonitos e Thomas retribuiu, dando um abraço nela ao chegar à porta. Vivian era a amiga mais velha da família, sua madrinha, melhor amiga de sua mãe e advogada da Meraki.

— Vamos, vamos, entre! Todos estão morrendo de fome!

A mulher riu, e ele entrou na casa em seguida. O saguão de entrada continuava do mesmo jeito, enorme e com duas escadas, uma de cada lado que se encontravam em cima, no primeiro andar. A luz do grande lustre encadeou sua vista, mas não o impediu de ver a mulher que descia os degraus. Sua mãe agora caminhava em sua direção, dando aquele mesmo olhar terno e reconfortante que costumava sempre ter. Os cabelos escuros bem cuidados, não conseguiam esconder o cansaço e a idade chegando, claramente visíveis em seus olhos castanhos claros. Sentiu os braços de sua mãe lhe apertarem, e a mulher pequena sumir em seu tórax quando ele a abraçou de volta.

— Você quer tomar um banho antes?

A mão dela agora estava agarrada ao seu braço, enquanto a outra mulher fazia o mesmo e ele atravessava com dificuldade a sala.

— Obrigado por me chamar de fedorento!

— O que sua mãe quer dizer, mal educado, é que pessoas normalmente gostam de tomar banho antes do jantar... — Vivian disse rindo.

— Sei... Mas acho que prefiro o jantar primeiro, estou com muita fome e provavelmente vocês também.

— Então vamos. Seu pai já está na mesa. — sua mãe disse.

— E eu que sou o mal educado. — de repente, Thomas sentiu uma necessidade extrema de fechar a cara.

Quando Você Me Toca (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora