Capítulo UM

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Ano 2323.

É tarde e ainda chove. Saio para a noite mesmo assim, deixando a chuva me molhar. Dizem que água de chuva purifica. Quem sabe? Não custa tentar. Estou sem blusa e sinto mais frio à medida que avanço na floresta. Mas isso não importa. O frio nem me faz cócegas. Dá apenas para notar, perceber que o sinto.  

Passo pelos guerreiros que estão de sentinelas esta noite, mas eles não ousam fazer perguntas. Minha feição não deve estar nada agradável. Ótimo, é como me sinto.  

Avanço um pouco mais na floresta e paro. Apenas olho para o nada e respiro fundo, sentindo os cheiros da mata, deixando que me invadam. 

Sinto sua presença antes de escutar seus passos sobre as folhas. Darion é um grande guerreiro e seus movimentos são silenciosos, mas posso escutar cada passo que ele dá. 

– O que foi? 

O safado me conhece tanto que nem perde tempo perguntando se eu estou bem. Só quer saber se foi alguma novidade que me fez abandonar o alojamento. Talvez ele tema que eu parta em uma missão sozinha. 

– Nada. Só não consigo dormir – respondo, tentando aliviar a preocupação que eu sabia que mostraria em minha voz.  

Nem sei por que perco tempo tentando disfarçar minha dor para Darion. Deve ser a força do hábito. 

– Ele vai aparecer. É forte, inteligente e conhece esta floresta mais do que nós dois juntos. 

Darion é um cara positivo, sempre pensa no melhor. Eu sempre penso no pior. É uma questão lógica pra mim: se é sempre o pior que acontece, pra que perder tempo esperando um milagre? 

– Já faz quatro dias. Algo está errado. Você sabe disso tanto quanto eu. Deveríamos estar fazendo alguma coisa. 

Passo as mãos no cabelo e depois no rosto, exasperada. 

– Celine – Darion coloca as mãos nos meus ombros e se concentra no meu rosto. Ele espera que eu olhe para ele antes de continuar e eu o faço – seu irmão sabe o que faz. Ele decidiu ir sozinho até a fortaleza. Ele deu ordens para que ninguém o seguisse. Não podemos arriscar perder essa aliança.  

Aliança? Eu não diria que não sermos atacados caracterize uma aliança, mas essa é uma discussão desgastada e não tenho tempo para ela. 

– Eu não posso simplesmente ficar esperando! 

Me livro de suas mãos e passo por ele, olhando para a floresta escura.

– Celine... – suspira, derrotado. Percebeu que bancar o otimista não vai me convencer. Ele vai apelar, como sempre faz – nós dois sabemos que nosso povo precisa de você. Todos estão assustados com a ausência do líder e a possibilidade de um ataque. Se você sair agora, o desespero reinará. Eles confiam em suas habilidades – Darion me puxa pelo braço e me faz olhar para ele novamente – eles confiam em você. Eu confio em você. 

Apenas olho para ele. Seu rosto moreno, seus traços fortes. Os cabelos compridos realçam ainda mais a aparência de índio.  

Sorrio de leve. Ele percebe que me convenceu e sorri de volta. Me puxa pela nuca, beija minha testa e me abraça. Retribuo.  

Neste momento, me sinto calma. Darion sempre sabe como me acalmar, mesmo que por pouco tempo.  

Fico triste ao perceber que este instante de calmaria existe apenas porque sei que, se meu irmão não voltar, não estarei sozinha. Não que Darion possa substituí-lo, é claro. Mas o medo de ficar sozinha é maior do que o medo de que meu irmão morra. Imagino que se sentir assim seja errado.  

2323 - Sobreviventes do Caos (Distopia)Onde histórias criam vida. Descubra agora