[Oneshot] ESPECIAL DEBILITADO - 5 ANOS DEPOIS: AINDA SINTO SEU CORAÇÃO

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Caros amados leitores: Agradeço pelos breves votos de vocês, mas isso ainda é democrata. Caso queiram ler, estejam a vontade, caso contrário, ignorem este capítulo e sigam para o próximo (novo capítulo no dia 14/12/2016). O ano está acabando e "Debilitado" também. #RumoAFinalDeDebilitado 

Confiram essa oneshot especial.

Estela

O vento levou a boina que eu estava usando!

Eu estava lutando para percorrer aquele percurso contra o vento e usava a boina para tentar me proteger os cabelos e olhos, de alguma forma.

Não era comum ter aquela ventania, naquele horário, naquela estação, naquele mês; mas naquele dia parecia algo quase que apropriado.

Eu estava atrasada para a reunião graças ao adereço que deveria me proteger... Mas, felizmente, o recuperei. Sua trajetória em harmonia com um tufão foi interrompida por um ciclista que, por sorte, freou antes de estraçalha-lo.

Ah, que alívio... Eu até comecei a entender melhor o Natiel. Cobrir a cabeça com algo (além dos cabelos, claro), principalmente em dias turbulentos, parece dar um conforto instantâneo; como ao receber uma agulhada certeira na acupuntura.

Eu estava pronta. Chamei no interfone e me dirigi ao elevador. Todos estavam ali, exceto...

***

Nunca pensei que me apegaria a um evento tão mórbido – literalmente falando. Mas, tratava-se de uma tradição. Já era a quarta reunião!

Quanta coisa mudou e você nunca ficou sabendo... Ou será que soube? Os desígnios da morte ainda são um mistério. De qualquer maneira, fazíamos aquela reunião mais por nós mesmos do que por qualquer outra crença espiritual. Estávamos certos de algo... A nossa dor era real e, em memória desta, estávamos reunidos pelo quarto ano consecutivo desde a partida de um fantástico ser.

Não pensem que ficávamos chorando ou nos lamentando durante as horas que antecediam a confirmação de sua morte. Pelo contrário. Conversávamos animadamente, contando nossos feitos e relembrando nossos momentos.

Como é de se esperar, cada um havia seguido seu próprio caminho e, como estabelecimento de regra, nos reuníamos naquele dia, naquelas horas e falávamos apenas de coisas boas sobre nós. Somente as coisas boas... Duas horas mais tarde íamos todos ao cemitério para, aí sim, chorar e também agradecer...

Naquele ano em especial eu havia sido escolhida para fazer o discurso. Será que eu teria forças suficientes para o fazer? Ainda que o tempo amenizasse a dor, isso não significava que ela fosse superada ou esquecida; além do mais, nós não queríamos nos esquecer.

Foi heroico, bravo, forte... Agora que jaz eu não sei, mas enquanto seu espírito ainda estava entre nós, demonstrou uma força tão descomunal que ainda é celebrada e merece ser para sempre. Ninguém mereceria tão nobre descanso e paz...

***

Ainda na reunião, naquele pequeno apartamento, enquanto eu tentava conter minha ansiedade diante do discurso, Jadir tentava ensinar alguns truques de cartas para Daniel. Obviamente ele estava tentando irritá-lo, visto que a honestidade de Daniel o fazia perder apostas diante do descaro de Jadir. Mas, o mais novo da turma não estava para irritações naquele dia... Não naquele dia!

Emerson, como num ritual próprio, estava pintando mais um quarto de metro quadrado da parede que, fora os desenhos feitos nos anos anteriores, era de um branco quase ofuscante. Segundo os próprios cálculos, mais 15 anos e ele conseguiria preencher todo o espaço com aqueles desenhos infantis e coloridos: arco íris, ursos, nuvens, estrelas... Alegria, paz, diversão...

Ainda observando tudo, vi quando Natiel engasgou com uma amora e o tapa que levou de Nando fez com que sua touca fosse parar no colo de Victória. Até Natiel riu desta, afinal, não estávamos para brigas naquele dia. Não naquele dia!

Ainda faltavam algumas pessoas, personagens importantes, naquela reunião. Alguns haviam confirmado presença apenas na hora exata do invólucro mortuário. Outros, não conseguiriam estar presente devido a qualquer causa pessoal. Quanto a mim, não era algo que me fazia desleixar. Eu, especialmente eu, tinha que estar ali lembrando e relembrando tudo o que aconteceu até que minha própria debilidade me vença. Porém, enquanto eu estivesse respirando, ainda que inconscientemente, eu estaria aqui... Neste dia... Neste momento... Rindo e chorando. Relembrando e agradecendo...

***

- Hey Estela se apresse! – Chamava Jadir. – O pessoal já deve ter chegado.

Jadir, meu amigo problemático, me convidava como se fossemos a uma espécie de parque de diversões. Muito longe disso! Ainda assim sorríamos.

Eu estava contemplando o céu que estava mais límpido, nada mais de ventania, nem mesmo as nuvens atrapalhavam. O sol imperava como o astro rei que é e eu o recebia em meu semblante. Ah, como me conforta... Retirei a boina para melhor senti-lo e guardei na bolsa.

- Estou indo – disse, logo me apressando para alcançar a todos.

***

Muitos estavam ali, em volta de sua sepultura. Os sorrisos pararam, assim como o choro. Estávamos sérios e atentos. Era um momento importante... Muito importante.

Peguei minhas anotações, eu estava trêmula, mas quando observei aqueles rostos, respirei profundamente e as dispensei. As palavras de outrora me pareciam frias demais para um momento único e presente.

- Mais um ano se passou – comecei. - Muitos de vocês conviveram bem mais do que eu, mas os poucos momentos que eu tive de sua presença foram muito marcantes... Os mais marcantes da minha vida.

Eu estava séria, não choraria... Não naquele momento!

- Tão cedo nos deixou, mas eu ainda posso sentir sua vida. Nos sonhos ainda vejo seu sorriso, ainda sou aconselhada, recebo suas broncas e sou impulsionada. Tenho certeza que isso também acontece com vocês.

Todos estavam atentos as minhas palavras. Não havia barulho de tosses, soluços, piadas, nem mesmo as interrupções de Emerson. O único barulho externo a mim que ouvíamos era de pintassilgos que viviam por ali, marcando sua presença, nos deixando em uma suave trilha sonora.

- Era jovem, muito jovem, quando se foi e decidiu nos deixar sua marca – suspirei e olhei para o céu continuando a fala: - Pode não mais estar em corpo presente conosco, mas seu coração ainda está em nós. Em todos nós...

Era o momento em que eu me derramava. Ao pensar naquilo tudo mais me acabava. Fechei os olhos e abaixei o semblante, sentia que as lágrimas não mais se conteriam.

Enquanto aplaudiam, com grande emoção como costumava ser naquele tempo, uma grossa lágrima pingou em meu dedo, naquele da aliança.

Não sei quanto tempo havia passado em que ainda estávamos chorosos e em aplausos. Embora todo o alvoroço e comoção eu estava ouvindo o pulsar forte de seu coração. Sim, Mikaela ainda estava entre nós.

Adriel me abraçou apertado por trás.

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DEBILITADO - Livro 1 [COMPLETO] - Trilogia dos irmãos AmâncioOnde histórias criam vida. Descubra agora