Despedidas

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Entro na casa da árvore.

Parece menor a cada dia. Tenho dificuldade para me mover. Assim que consigo colocar metade do corpo para dentro, sinto um puxão firme nos meus antebraços.

Acabo caindo por cima do Noah. – Ele ri como sempre e pra variar, como se isso fosse muito engraçado, fecho a cara e me ergo.

Noah é o meu melhor amigo de infância, ele tem quatorze anos, usa aparelho e tem cara de retardado, – não é muito diferente de mim! – ele parece uma salsicha quando fica em pé. Noah também tem os olhos mais lindos que já vi na terra, desde que me lembro. Apesar da cabeça dele parecer uma cuia, os cabelos dele são lisinhos e bonitos! Adoro zoar com a cara dele e perguntar sobre o comercial de shampoo pra pelo de cachorro, ele fica super irritado com isso!

– Oi!

– Trouxe a mochila.

– Anda logo sua gorda!

Estreito os olhos pra ele e faço cara de bosta. Noah se estica e me puxa. De repente, ele me beija e eu fecho os olhos. Fico tão nervosa quando ele faz isso... não sei beijar de língua, nem ele! Então ficamos sempre como dois retardados – que é o que somos – tentando perder o bv um com o outro, mas, nunca passa de selinhos.

– Ai, sai! – Empurro-o pelo ombro e limpo a boca com força. – Você me enoja, Baltimore.

Ele sorri como se não desse a mínima, puxo a mochila pra dentro da casinha e fecho a porta. – Se a minha mãe sonhar que estou aqui ela me mata, e o Noah vem numa vala dupla comigo, com direito a ir para o inferno juntinho também.

Noah puxa os cobertores e se afasta para o lado com as pernas estiradas e o corpo meio curvado. – Ele cresceu muito rápido, se brincar com menos de 1,70 de altura ele não fica até os dezessete anos.

Sento-me abrindo a mochila, estendo os doces e os salgadinhos para ele, a nossa pequena TV em cores está ligada, é uma daquelas pequenas bem antigas que funciona a base de bateria. Noah passa o braço ao redor da minha cintura e me beija a bochecha.

– Por isso gosto de você gordinha, sempre trás do bom e do melhor.

Não queria que ele me chamasse assim, mas já me acostumei, o Noah é muito espontâneo, eu também! Mas, acho que é por que a gente está crescendo e ele meio que está se afastando mais de mim. Não almoçamos mais juntos na escola desde que ele começou a andar com alguns rapazes do time de basquete, ouvi dizer que ele vai entrar para o time da escola. Até então, andamos bem distantes, mesmo que eu sinta que em meu coração ele ainda seja o meu melhor amigo.

– Você não está mais almoçando comigo, Noah.

– É falta de tempo mesmo, Samantha.

Sei quando ele não gosta de algo, pois, me chama pelo nome completo.

– Não precisa ficar de mi, mi, mi seu chato.

– Me diz como está a sétima série sem mim?

Bombei ano passado! Claro que isso me afeta, estou repetindo de ano... Noah já está na oitava série. Nós dois perdemos o ritmo, acho que foi principalmente isso que nos afastou. Ele está numa turma diferente, com pessoas diferentes. Nós estudamos juntos desde... sempre! Agora ele está um passo a minha frente.

– Tá legal.

Ele me olha de um jeito estranho. Acho que o Noah mudou muito esse ano, também não me disse, mas, soube que a mãe dele conheceu outro cara. Os vizinhos sempre fofocam muito na cidade, não que eu more na cidade... Eu e os meus pais moramos num trailer afastado, não temos casa própria como os pais do Noah tem – ou a mãe dele. – Desde que o pai dele morreu, há um tempo eles moram sozinhos lá.

– Sam... Você não pensa em sair daqui?

– Claro que penso! Mas não posso deixar a minha mãe pra trás, Noah, nem o meu pai.

Ele morde os lábios e reconheço seu olhar impaciente, sei que quer me falar algo, mas, acho que essa pequena distância na qual elaborou entre nós dois, está funcionando muito bem! Ele não confia mais em mim, acho que aos poucos estamos nos tornando dois pequenos desconhecidos.

– Eu... eu...

– Te vi beijando a Jane Collins outro dia, ela é linda! Fica com ela.

Acho que ele me chamou pra me dar a notícia.

Tento sorrir, me inclino e beijo-o, apenas um selinho, me afasto e engatinho para fora da casinha da árvore.

– Sam as coisas... Eu... Eu...

– Tchau Noah.

Saio da casinha e desço a escada com cuidado. Algumas lágrimas caem enquanto me afasto do meu lugar predileto. Este é definitivamente, o meu adeus ao meu melhor amigo de todos os tempos. Já deveria saber... Noah Baltimore e eu não seremos nada além de estranhos a partir de hoje.





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Número 50 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora