Estranho Invasor

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Mamãe convidou a Donatela para um almoço lá em casa no domingo.

E desde que cheguei, ela não para de falar desse almoço, não para de falar sobre sua infância, não para um segundo de repetir o quanto está feliz por reencontrar mamãe. Acho que mamãe não contou da doença, e acredito que nem deve contar, pois ainda é cedo, também não quero mais ninguém com pena da minha mãe, já não basta os vizinhos fazendo cara de dó quando souberam do câncer, parece que quando você fala essa palavra pra alguém as pessoas entendem como um sinônimo de "morte".

Hoje eu fiquei novamente como lavadora oficial dos pratos do refeitório, não me sentia mal, o lugar me deu de certa forma muito mais conforto do que estar em algum outro lugar da empresa e ter que dar de cara com o dono.

Tentei pelo dia todo me distrair, esquecer a visita de Noah, nosso encontro abrupto e o que ele me disse sobre se casar, mas ele não saiu dos meus pensamentos.

Ele não deveria ter feito isso, ele não deveria ter voltado, eu não preciso disso pra viver nem pra prosseguir, já tenho problemas demais na minha vida pra ter que lidar com uma velha amizade fiasco de infância.

Acho que me assustei demais com sua presença, com a aparição de um homem que conheci quando garoto, e que um dia acreditei ser o meu melhor amigo, alguém que eu confiava e amava, amava muito.

Estressei-me tanto que mal consegui dormir à noite, a todo o momento me revirava na cama, e entre um cochilo e outro me lembrava dos olhos azuis de Noah, do sorriso dele, coisa que bani há anos, uma ponte dentro de mim se formou e ficava comparando o garoto que vi crescer com o homem que foi a minha casa ontem, me sentia idiota por me ver sorrindo em alguns momentos e em outros chorando.

Já são cinco da tarde, acabei de tirar o uniforme, é hora de ir pra casa, papai vai me pegar hoje, ele sempre pega algum dos carros pra teste drive da loja, principalmente nos dias em que mamãe tem químio, nesse quesito também nada a reclamar, papai sempre cuida dela quando mamãe sai do hospital, em todos os sentidos.

Lavo o rosto, penteio meus cabelos, acho que Donatela se ocupou muito pela tarde, pois quase não veio me ver depois do horário de almoço, ela me lota de uma atenção que eu tenho absoluta certeza que irrita as outras meninas da faxina. Ela gosta de mim e eu admito que apesar do pouco tempo, tenho muita afinidade com ela.

Ligo o reprodutor do meu celular, Lupe se aproxima com o carrinho dos uniformes e indica o carrinho.

– Quer carona novata?

Lupe é uma mulher de uns cinquenta anos, de cabelo escuro e poucas rugas na cara. Usa enfeites coloridos na cabeça, tem um sorriso imenso nos lábios, mas logo uma ideia bizarra me toma a mente.

– Entra aí, hoje eu te dou carona.

Ela arregala os olhos, depois sorri e pula pra dentro do carrinho, lhe entrego minha bolsa e empurro o carrinho para fora do vestiário. Até a lavanderia é um corredor extenso numa descida, Lupe gargalha quando tomo velocidade, e sorrio de seu entusiasmo, ela se segura nas bordas do carrinho como uma criança feliz e alegre, na descida Lupe grita, alguns funcionários da manutenção nos olham e sorriem, quando passamos pelas portas da lavanderia me vejo gargalhando, Lupe também.

Rimos a beça e me despeço dela com um abraço, acho que não terei tanta dificuldade em lidar com alguns funcionários afinal, e só me sinto mais segura quando estou bem longe da King, o império cor de preto de Noah, ou do homem que ele se tornou.

Número 50 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora