Ele era criança quando se apaixonou pelos objetos pretos no canto do quarto da mãe. Ele a vira usá-los algumas vezes quando saiam, calçando os objetos como sapatinhos. Ele se aproximou deles enquanto a mãe penteava os cabelos e tocou a textura aveludada, tão macia quanto sua mão infantil. Tentou, atrapalhadamente, encaixá-los nos pezinhos e foi repreendido pela mãe. "Isso não é coisa de menino", ela dissera.
No dia seguinte, entrou no quarto enquanto a mãe banhava e calçou aquele sapato estranho. Deu meio passo e caiu, com um baque alto o suficiente para alertar a mãe de sua façanha. "Menino! Tamanco não é coisa de criança, muito menos de homem!". Percebeu, então, que tamanco era o nome dos objetos pretos. Que decepcionante! Significante tão fútil perto do significado!
Depois daquele dia, nunca mais se interessou pelos tamancos
Alguns anos depois, na sala do Colégio, havia um aluno novato, com sotaque carregado, magro, bronzeado. Os traços variavam entre indígena e preto. Tão diferente das crianças da região... achava-o não só lindo, mas esplendoroso, magnífico...surreal.
Graças à chamada feita pela professora, soube o nome do novato. Um nome tão qualquer que nem ficou na cabeça por muito tempo.
O menino novo era lindo. E só. Nunca mais o notou.
Já na adolescência, possuía uma namoradinha. Era alta e gentil e se beijavam às vezes. Ele gostava dela, não sabia o quanto, mas era suficiente para um garoto com desejos sexuais e uma carência aqui e ali. Não queria nomear sua relação ou seus sentimentos. Não queria viver em obrigação disso.
Mas nomeou.
A namorada sempre perguntava o que tinham. Sabe como essas pessoas inseguras são: sempre precisando que reafirmem seus sentimentos em busca de aceitação própria. Normalmente respondia que gostava dela, e aos poucos isso não foi se tornando suficiente para ela.
Finalmente, disse que a amava. Amor. Amor. E foi como se tudo dentro de si murchasse. Pétalas murchas, céu nublado. Fim da magia.
Nunca mais amou.
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Os contos que habitam em mim
Short Story"Os contos que habitam em mim" é uma coletânea de histórias que te convidam a mergulhar na misteriosa, intensa e fragmentada essência humana.
