O conto da minha saudade

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-Eme? Eme, é você?

      A voz atrás de mim era familiar. Virei-me e encontrei alguém que há muito não via. Alguém que amei antes mesmo de entender o que é amor. Alguém que se foi antes do meu adeus. Alguém.

     "Sim", eu disse acenando com a cabeça. O homem se sentou ao meu lado, no meio fio daquela rua cujo nome sequer importa. A luz neon de um letreiro abandonado oscilava sobre nós. Silêncio. Silêncio no ar e nos olhos.

-Há quanto tempo... - disse-me, nostálgico. Não gostei. Ele se foi porque precisava, mas sumiu porque quis, porque se satisfez com uma vida que deleta pessoas em prol de outras. Eu não sou deletável. A vida não é um computador e eu não sou um arquivo prestes a ir para a lixeira (ou pelo menos eu não quero ser).

Eu estava com saudades de você. Faziamos tantos planos juntos...- falou. Sim, fazíamos, na forma passada do verbo fazer. Eu queria viajar o mundo ao lado dele, eu queria desenhar orquídeas e soprar a espuma do meu café ao lado dele. Eramos tão sonhadores juntos que, se tivéssemos encontrado um letreiro oscilante, como este que está sobre nossas cabeças agora, teríamos planejado consertá-lo. Mas nossos planos nunca saíram do bloco de notas do meu celular.

-Deixou o cabelo crescer! Ficou tão bem em você!- E enrolou seus dedos em um dos meus cachos. Eu gostava do toque dele. Ele costumava contornar pequenos círculos na minha coxa enquanto eu observava sua boca contrair em um sorriso. Ele ainda tinha o mesmo sorriso. Eu sentia falta dele.

      Olhou-me concentrado e eu sustentei o olhar. Não queria demonstrar-lhe fraqueza. Não iria deixar que decodificasse meus pensamentos. Mas ele sempre foi bom nisso, inclusive, nos momentos de tristeza, ele apenas chegava e me abraçava por trás. Eramos assim: eu não dizia nada. Ele entendia tudo.

Pobre, Eme. Pobre cacto. Sempre tão doce. Mas sempre tão cheio de espinhos. Só vai florescer quando deixar o passado para trás.

- Talvez eu não queira florescer. – Respondi, e ao me ouvir, sorriu. Inclinou-se para trás e deixou o braço estendido convidativamente. Eu não resisti e deitei-me ao seu lado. O seu corpo emanava calor. O seu corpo cheirava à madeira e pimenta-do-reino.

- E você cheira a algodão, como antigamente. - disse, completando meus pensamentos.

        E foi ai que eu o abracei. Já não conseguia esconder que havia saudade em meu peito, que havia saudade transbordando em meus poros. Depositei minha testa no seu tórax, ouvi o seu coração bater. Cada batida soava a mesma sinfonia de anos atrás, embora mais lenta e doída.

       Por meses, anos, minha memória não se lembrou do garoto, agora homem, que me abraçava, mas minhas células nunca o esqueceram. Reagiam a ele como sempre reagiram. E por alguns minutos, não havia passado ou futuro, apenas "nós".

       Naquela noite, consertamos o letreiro oscilante. 

Os contos que habitam em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora