O conto do meu sufoco

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       O sufocador caminhava sozinho pela rua. 

       "Não sei o que faço aqui, não sei para onde ir/ Não sei o que faço aqui, não sei o que há por vir", cantarolava baixinho. Já andava por horas, passando por pisos de pedras gastas, gatos em lixeiras e prostitutas exageradamente maquiadas. Andou por becos escuros, carros estacionados e mendigos saciados por drogas. Andou.
         Era sob o silêncio da noite que gostava de mentir para si mesmo. Gostava de se enganar. Por isso, ao sair de casa, ligava para sua mãe e dizia que iria caminhar, se exercitar. Mentiras. Na verdade, saia por aí para sufocar.

        Oras bolas, ele é um sufocador. O que mais ele faria?

        Na esquina da terceira avenida, viu uma moça muito bonita. Tao loira que seus cabelos eram um mar de estrelas cadentes. Sentou ao seu lado com um cordial "Boa noite!" e não perdeu tempo: começou a elogiar os cabelos de estrela. A moça agradeceu pelo primeiro elogio, riu no segundo, ficou sem graça no terceiro. No quarto elogio, já não havia mais moça. Ela fugiu, sufocada pelas palavras excessivas de admiração. 

          O sufocador se levantou e continuou andando. Andou e andou até um ponto de ônibus e encontrou um amigo de longa data que havia muito que não via. Acenou para o amigo animadamente, correu em sua direção e o abraçou com muita intensidade. A princípio, o amigo adorou o abraço aconchegante do sufocador, pois também havia sentido sua falta. Mas o abraço não acabava nunca! Ficaram tanto tempo abraçados que o amigo de longa data derreteu, sufocado pelo calor humano. O sufocador observou seu reflexo na poça, que antes foi o seu amigo, e partiu.

           Acabou por chegar em uma rua muito movimentada, cheia de carros e pessoas aglomeradas. E, no centro de todo o caos, havia um guarda, tentando guiar os carros e auxiliar as pessoas, que falavam e falavam sem parar. O sufocador se aninou. Também queria falar, também queria a atenção do guarda. 

        Aproximou-se entusiasmado, se juntou à multidão e começou a gritar, falar e reclamar como se sua vida dependesse disso. Falou tanto que o guarda, vermelho de estresse, olhou o sufocador nos olhos e explodiu, deixando apenas o distintivo para trás. Nada de atenção, nada de guarda. Apenas o eco de sua explosão.

         Pobre sufocador. Cobrava tanto dos outros. Importava-se com tantas pequenas coisas, não conseguia evitar. 

         Queria elogios, queria abraços, queria atenção. Queria ser mais do que um estranho, uma memória frívola ou um recipiente vazio. Queria. Não era. Era?

         Enfim, já não importava mais. Naquela noite, o sufocador se sufocou.

Os contos que habitam em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora