O conto da minha insignificância

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      O armário, as cadeiras, o tapete excêntrico na sala de estar... Tudo estava em chamas.

      O fogo ardia bruscamente, dançando entre a chuva de cinzas e a fumaça que subia até o teto. As tábuas de madeira do piso rangiam, dilatadas pela alta temperatura: um soneto de ruídos em pânico pelo fim certo. E, parado no meio de todo o caos, estava o meu corpo. Eu não me mexia, fascinada pelo calor acolhedor que as chamas emanavam. Eu queria tocá-las, fundir-me a elas enquanto queimavam todos os registros de uma vida miserável e inútil. Enfim, a minha existência errônea.

      Porém, quando o fogo já estava prestes a me engolir, uma forte luz azul surgiu pela porta entreaberta. Desperta do transe, eu caminhei em sua direção e deparei-me com dezenas de raios caindo no meu jardim. Uma, duas, três vezes...

      A estática no ar era notável em meus pelos arrepiados e, pela primeira vez em muitos anos, me senti viva diante o perigo. Subconscientemente, meus pés se mexiam, andando pela grama enquanto flashes de luz brilhante se chocavam com o solo. Mas por que não me afetavam? Por que a eletricidade não queria me afetar? Indignei-me. Odiei-me. Corri pelo jardim tentando me lançar sobre os raios que caiam e, quando finalmente pareci conseguir... eles cessaram.

      O céu escureceu; fez- se silêncio. O mesmo maldito silêncio que preenchia o ar quando eu entrava em crise. O mesmo silêncio que me isolava das pessoas e me envolvia em solidão.

       Gritei desesperada. E sob o peso de meu corpo que caia ao chão em pânico, senti a terra tremer. Não demorou muito até que o inocente tremor, que quase passou despercebido por mim, se transformasse em um violento terremoto. A minha casa ruiu. As árvores tombaram e levaram consigo os postes e cercas.

       Mas eu? Ahn, eu continuava imune; firmemente sentada enquanto tudo ao meu redor desmoronava. "Eu não sou boa o bastante para você?", perguntei mentalmente, sem saber quem seria o "você" em questão.

       O tremor cessou depois de dez ou vinte minutos, não sei ao certo. Dessa vez, porém, a nova catástrofe foi imediata. Antes mesmo de eu conseguir associar o crescente som que se aproximava ao barulho de ondas, a correnteza me alcançou e arrastou tudo consigo. Exceto eu.

      A água, fluida, era impenetrável ao meu toque, tão sólida quanto gelo; quanto chumbo.

      E foi só quando a enchente passou, com toda sua forte e turbulenta correnteza, que vi que ela havia levado tudo.

     Não havia fogo ou raios. Não havia tremor ou árvores e nem mesmo solo.

     Apenas eu e o silêncio.

     Nada de importante, portanto. 

Os contos que habitam em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora