Quando a chuva diminuiu já estava escuro. Catarina pagou os sorvetes e eu ofereci meu moletom por causa do frio. Ela recusou, mas como ainda garoava eu cobri seus ombros com a blusa mesmo assim.
Andamos os poucos quarteirões de volta em silêncio. Ela observava as luzes e eu observava, bem, ela.
- Tchau, Cat - me despedi, em frente à sua porta.
- Tchau.
E ela fechou a porta. Nem um "obrigada", nem um "Kev", nem alguma piada. Nem devolveu minha blusa.
Ela só precisa de um tempo, disse a mim mesmo. As garotas têm dessas. No máximo segunda vai estar tudo bem.
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- Mãe?
- Isso é hora de voltar pra casa? - ela ralha comigo, visivelmente furiosa. E emenda, antes que eu respondesse qualquer coisa: - Onde estava, mocinho?
- Eu e a Cat fomos tomar sorvete.
- Ah - a expressão dela se suaviza. - Usaram preservativo, né?
- Mãe! - coro.
- Na minha época, tomar sorvete era código para sexo.
- Na sua época sua mãe falava besteira na sua frente, também? - bufo, sentando no sofá. - Me poupe, viu.
- Mas vai me dizer que não tem nada entre vocês? - ela arqueia as sobrancelhas. Essa conversa tá ficando estranha.
- Nadica de nada. Somos amigos e só.
- Amigos com benefícios? - ela me encara, e eu vejo em seu olhar que uma parte dela acha que a resposta é sim. Quem me dera, mãe.
- Não! - passo a mão na minha cabeça. - É tão difícil entender que nós somos apenas amigos?
Ela dá de ombros e pega uma revista de decoração da mesinha de centro.
- Achei que você gostasse dela, só isso.
- Eu nunca gostei dela.
- Aham, tá - ela levanta uma sobrancelha. - Semana passada você falou o nome dela dormindo.
Sinto meu rosto esquentar.
- Não falei nada.
- Tava bom?
Minha mãe me encara com um sorriso malicioso nos lábios.
- Mãe! Não é nada disso que você tá pensando, ok? - pelo amor dos deuses, não era para eu estar conversando sobre isso com a minha mãe.
- Se você diz...
Ela levanta e me beija na testa, como sempre fazia quando eu era criança.
- Tem macarrão na geladeira, você pode comer se estiver com fome. Já vou dormir, amanhã preciso continuar aquele projeto da sra Peskowitz.
- Boa noite, mãe.
Claro que eu pego o macarrão da geladeira. Esquento no micro-ondas, fazendo uma lista mental sobre o que não pensar.
Catarina
O beijo
Liam
Meu pai
Trabalho de História pra segunda (que eu ainda não fiz)
Liam babaca
Catarina
Lavar o banheiro
Liam babaca cuzão filho da puta
Catarina
Catarina
CatarinaPensar em não pensar não é inteligente. Acabo comendo meu macarrão na frente do computador, enquanto encaro a tela e penso em todos os itens da lista.
>>>
28 de junho, domingo, 11:46 p.m
Kevin está digitando...
cat, eu sei que você gosta do liam, mas pq? ele é um bost
Apago e recomeço.
olha, eu sei que
Apago e recomeço.
SE VC FICOU MT BOLADONA ASSIM EU BATO NO LIAM POR VC TA
Apago e recomeço.
catarina, lembra da vez que você me perguntou porque eu falava que as pessoas "caíam"? eu lembro. eu disse que é porque o amor é um poço fundo e escuro, e a sensação é semelhante à de uma queda. borboletas no estômago e cair pra morte é praticamente a mesma coisa. você não perguntou como eu tinha chegado a essa conclusão, só soltou um comentário engraçadinho e mudou de assunto, porque você é assim. às vezes foge de uns assuntos que tem a ver com o coração. só pra esclarecer, eu já caí tanto num poço (naquele acampamento, lembra?) quanto nessa porra que é o amor. a verdade é que a queda e as borboletas são ótimas, parece que estamos voando. o ruim é quando você atinge o fundo do poço. quando as borboletas morrem. é mais por isso que eu uso "cair" ao invés de se apaixonar. dói, machuca, você nunca mais vai ser o mesmo. muitas vezes não dá nem pra sair do poço. o que eu tô querendo dizer é que nem tudo é do jeito que a gente queria. o liam é um filho da puta cuzão, mas talvez você também esteja machucando alguém. você vai responder "quem seria idiota o suficiente para 'cair' por mim?". nem todo mundo se apaixona pelo clichê de garota perfeita. o ponto é: alguma hora vai passar. vai deixar alguma marca, mas vai passar. talvez demore? provavelmente sim, você nunca gostou tanto de alguém. claro, teve o marcus, o yuri, o alan, o jp e o thomas, mas o liam ganhou de todos eles. ele é um otário, mas se você gosta dele, eu sempre vou estar aqui pra te ajudar.
Apago e massageio minhas têmporas. Recomeço.
Kevin: ei cat, vamos pra escola amanhã juntos?
Catie: pode ser... vc passa aqui as sete e meia?
Kevin: combinado
Catie: nao vai de blusa de frio, vc pega seu moletom aqui em casa msm
Kevin: ok
Catie: vou fazer o trabalho de historia, tchau
Kevin: cacete, catarina
Kevin: é pra amanhã
Catie: por isso eu quero fazer logo ne
Kevin: dava pra ter deixado mais em cima da hora?
Catie: ah vai me dizer q vc fez o seu no começo desse bimestre, qnd ele passou o trabalho?
Kevin: na vdd eu acabei uns minutos atrás
Catie: viu? nao é tao bom exemplo assim
Kevin: mas eu ja fiz
Catie: sr perfeitinho
Catie: :p
Kevin: engraçadinha
Pelo menos ela está normal. Me zoando e tudo. Mas conferir não custa nada.
Kevin: mas só
Kevin: hm
Kevin: vc ta bem?
Kevin: por causa do liam e tals
Catie: to otema
Kevin: que bom
Entregue: hoje às 11:58 p.m
Lida: -
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Snap out of it
Short StoryNão era uma queda, era um penhasco. ❝I wanna grab both your shoulders and shake, baby Snap out of it❞ 19.07.2017 → #43 em Conto