6. Eu odeio o Liam do fundo do meu coração (parte um)

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Bato na porta da casa dela.

Ela abre, segurando a mochila em um ombro só.

- Oi, Kevin - não parece abalada nem ressentida por causa de ontem.

- Oi, Cat. Deu tempo de fazer o trabalho?

Ela faz uma careta.

- Deu, mas ficou uma bosta.

Eu a encaro, e acho que ela sabia no que eu estava pensando, porque desvia do meu olhar e encara seus sapatos como se fossem super interessantes.

- Sobre ont-

- Preciso lavar esses tênis, eles estão imundos - ela me corta.

- Tá, mas sobre ont-

- Eu não quero falar sobre isso - ela finalmente olha para mim. Em seus olhos, ela suplica. - Dá pra esquecer, por favor?

- Hm, claro. Não sabia que te deixava tão desconfortável. Desculpe.

- Não é que me deixa desconfortável, é só que... - ela suspira e fecha os olhos, reunindo coragem. - Não foi a primeira pessoa que me rejeitou, e certamente não será a última. Eu só queria achar alguém que realmente se importasse, sabe. Um cara que me oferecesse a blusa no frio e que sentisse ciúmes de mim, e quando ele me abraçasse todos os problemas sumissem e... odeio ser carente e romântica.

Eu não sei como reagir a isso, então só abro os braços. Catarina me abraça, e eu brinco com os cabelos que se soltaram do rabo de cavalo dela. Murmuro coisas do tipo "Vai ficar tudo bem, você vai encontrar esse cara", porque alguns silêncios não devem permanecer por muito tempo.

Ficamos ali parados na sacada da casa dela por bastante tempo. Eu aproveito cada segundo para tentar esquentá-la; Catarina é tão gelada que poderiam facilmente confundi-la com um cadáver.

- Você é quentinho - ela murmura.

- Você é a Elsa - eu respondo.

Ela me solta e esfrega os olhos de um jeito infantil e adorável.

- Isso me lembra, você deixou seu moletom comigo. Vou buscar.

Quando ela me devolve o moletom cinza e eu o visto, tudo que eu consigo sentir é o cheiro dela na roupa. É algo doce, mas sutil. Talvez alguma flor, mas eu nunca fui bom com plantas. E tem aquele cheiro de chuva. Não do asfalto quente sendo molhado, ou daquele ar abafado horrível. Tem cheiro de quando as árvores são molhadas, como naquele acampamento no ano passado.

- Por que você tá cheirando o moletom? - ela me observa, e eu sei que por dentro está rindo. - Se estiver fedido eu posso lavar e te entregar depois.

- Não, eu só... - penso em uma desculpa plausível, porque "estava sentindo o seu cheiro porque eu estou perdidamente apaixonado por você" soa bem gay. "Perdidamente apaixonado", não acredito que pensei nisso. - Estava tentando lembrar se peguei mesmo o trabalho de história.

- Ah, tá. Que horas são? - pergunta, mas ela mesma puxa o celular de um dos bolsos da mochila. - Meu Deus, já são sete e vinte e nove! Puta que pariu.

- Puta que pariu mesmo.

A aula começa sete e meia em ponto, e a escola fica a vinte minutos caminhando relativamente depressa. Então puta que pariu.

Decidimos que vamos andando tranquilamente, porque mesmo correndo levaríamos uma falta bonita na primeira aula, já que o professor Gerard não tolera atrasos. Então, no caminho, jogamos aquele jogo das vinte perguntas.

- A gente devia fazer isso mais vezes - eu comento enquanto passamos pelo pátio vazio da escola. - É um bom jeito de começar o dia.

- Realmente, mas eu não vou acordar mais cedo, então... - ela ri. - Tá um pouco frio hoje...

Snap out of itOnde histórias criam vida. Descubra agora