3. Se apaixona por mim, não por ele

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A aula foi, em uma palavra, desnecessária. Eu não aprendi nada, e ainda choveu no fim da aula.

Se eu falei com o Liam? Sim. Catarina me pede algumas coisas doidas, mas eu faço porque sou mais doido ainda.

Quando o sinal da última aula tocou, dispensando os alunos, eu esperei um pouco na sala, para ver se a chuva passava. Ela não passou, mas me deu a oportunidade de falar com Liam.

- Hm, Liam, você ainda tá aqui? - perguntei.

- Vai que a chuva passa - ele deu de ombros.

- Também queria que isso acontecesse, mas parece que não - eu tentei continuar a conversa: - Você sabe porque a Cat faltou hoje?

- A gente foi numa festa ontem e eu só levei ela pra casa umas três da manhã. Ela bebeu um pouco, suponho que esteja passando mal hoje.

Ele falou isso com a maior naturalidade do mundo. Como se fosse normal levar a Cat pra uma festa cheia de gente estranha e drogas, depois embebedá-la e largá-la em casa às três da manhã. E NEM LIGAR PRO FATO DE QUE ELA ESTÁ PASSANDO MAL.

- Isso é certo? - eu arqueei as sobrancelhas.

- Sei lá, ela que quis - ele deu de ombros. - Eu só convidei.

- E você não bebeu?

Ele riu, e explicou brevemente o que aconteceu.

No jogo da garrafa, ou eles beijavam a pessoa na outra ponta da garrafa ou eles bebiam. E digamos apenas que Liam não bebeu nada. Ao que parece, ele não se importa muito com as bocas que ele beija.

- Então você saiu beijanto todo mundo? - talvez eu estivesse parecendo muito indignado com o fato de Cat ter assistido o "amor da sua vida" ficando com todo mundo. Mas não pude evitar, ela merece mais que isso.

- É só um jogo, cara.

- Você, hm, não chegou a beijar ela, né?

Liam me encarou com seus olhos claros. Acho que são azuis, ou cinzas, mas não tenho certeza.

- O que você acha? - e sorriu.

Ai, droga. Levar um tiro não deve doer tanto.

- Hm, legal - tentei disfarçar. - Mas você gosta dela?

- Ela é legal - "legal" é um adjetivo bem fraco pra definir a Cat.

- Só isso? Ela é "legal"?

- Tá, eu pegaria ela. De novo.

Na minha cabeça, eu só pensava: respira fundo, Kevin.

Um, dois, três.

Expira.

Um, dois, três.

Mantenha a calma.

Um, dois, três.

Não voe no pescoço dele e aperte até a morte do desgraçado.

Um, dois, três.

- Olha, cara - comecei, na maior calma possível. - Ela gosta muito de você. Se você não for capaz de retribuir isso, sugiro que pare de alimentar as esperanças dela.

Ele ergueu as sobrancelhas.

- Você gosta dela?

- Ela é minha amiga desde os seis anos - virei o rosto. Talvez ele não tenha visto minhas bochechas vermelhas.

- Isso não responde a minha pergunta.

- Eu gosto muito dela, como amigo - ok, isso é só parte da verdade. Eu gosto dela bem mais do que como amigo.

Realmente, eu gosto muito dela. Eu gosto do jeito que ela morde o lábio quando está pensando, e eu gosto do jeito que ela faz um nó no cabelo e vira um coque. Eu também gosto quando ela fica frustrada com a matemática, e sobra pra mim explicar porque x é igual a três e não a sete. E é ainda melhor quando ela entende.
Eu gosto de ver os rabiscos de flores que ela faz no meu caderno. Eu gosto de quando ela confia em mim, e me conta os planos que ela tem, e suas ideias mais malucas.

Coisas que eu sinto mas não digo: vontade de abraçá-la bem forte. Fazer cócegas na nuca dela, onde eu sei que ela quase morre de rir. Cobri-la com meu moletom quando está frio, mesmo que ela sempre recuse quando eu ofereço. Desenhar constelações nas sardas dela.

A primeira vez que eu senti alguma coisa parecida foi no terceiro ano. A gente andava muito de bicicleta, e apostava corridas. Eu sempre fui mais rápido, mas eu deixava ela ganhar.

Numa tarde, ela acabou caindo da bicicleta, e ralou os joelhos e as mãos. Quando eu vi ela chorando inconsolavelmente com as mãos sujas de sangue, deu uma vontade enorme de segurá-la, e prometer que tudo ia ficar bem, e acolchoar a rua para ela não se machucar nunca mais.

- Então, como um bom amigo, você tá preocupado com a possibilidade de eu ferir os sentimentos da Catarina, é isso? - Liam pergunta.

- Exatamente - concordo, com a boca seca.

- Então ela me ama muito - ele murmura.

A vontade foi gritar na orelha desse infeliz, bem alto: ELA NÃO TE AMA. Ela só caiu. Só. Vai passar.

- Talvez. Só... tome cuidado. O coração dela é frágil feito vidro.

- Tá. Essa conversa ficou estranha. E a chuva já passou. A gente se vê na segunda, Kevin.

E foi assim que eu fiquei nesse dilema que está sendo decidir como eu converso com a Cat sobre isso.

Só espero que ela saia dessa logo.

Cair por alguém é uma coisa perigosa.

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