- Quem quer começar? - o diretor toma um gole de café, muito sério.
Silêncio. Ele nos encara, um de cada vez. Sua monocelha é mais assustadora do que seu olhar.
Eu olho para Catarina, mas ela está fitando seus cadarços desamarrados. Não sei o que ela tem contra amarrá-los. Até os nove anos ela não sabia, e eu que amarrava, mas catorze é uma idade muito avançada para andar por aí com os cadarços soltos. Sem falar que é perigoso.
Eu olho para Liam. Ele encara o diretor, mas não fala nada. Filho da puta.
- Kevin, que tal você? - ele se reclina na enorme cadeira de couro. E acrescenta, irônico: - A professora Agatha me disse que suas redações valem ouro.
Fodeu.
- Tá, hm... a Catarina estava com a blusa do avesso e... - ela me encara, meio desesperada, obviamente pedindo para eu contar a versão editada. - Hm, e aí ela queria desvirar. Aí ela tirou e desvirou a blusa. Aí o Liam estava passando por trás dela e aí eu me desequilibrei e é, é isso.
Catarina e Liam concordam avidamente com a cabeça. Nenhum dos dois acha que a versão oficial precisa ser contada. É vergonhoso para Catarina e deixa Liam com uma imagem suja.
- Você consegue contar alguma coisa sem falar aí? - o diretor arqueou a sobrancelha.
- Eu sabia, mas aí...
- Chega.
Seguro um sorriso.
O diretor (eu estudo nessa escola há oito anos e meio e não faço a menor ideia do nome dele) pondera. Não sei com que frequência acontece um possível threesome no corredor, mas não me parece uma questão difícil de resolver. Já que nada pode ser feito para mudar o que aconteceu, sobram os castigos. Advertência, arrumar alguns livros, ou talvez limpar salas depois da aula.
- Não sei o que fazer a respeito disso. - Se não sabe resolver problemas, não vá dirigir uma escola, oras. - Antes de tomar qualquer decisão, gostaria de saber a versão de Catarina. Afinal, foi ela que foi... exposta.
Liam e eu saímos da diretoria, e nos encostamos numa parede. Ele não parece nervoso com nada, nem com o que aconteceu e nem com o fato de que, dependendo do que a Cat falar lá dentro, ele pode ser suspenso. Me pergunto se devia falar com ele sobre o que aconteceu. Não, eu não devia falar. Não vou falar nada.
- Uau, hein - Liam fala, com as sobrancelhas arqueadas. Rapidamente compreendo a que ele se refere.
- Olha aqui, Liam - eu começo, levantando a mão.
- Que foi? Até parece que você não olhou.
Abro a boca para xingá-lo, mas não sai nada. Meu lado não-hipócrita me impede, porque, realmente, eu também olhei.
E essa é a parte que eu me odeio.
- ... Mas eu não parecia um lobo - finalmente me defendo.
Ele sorri, malicioso.
- Você não sabe.
- Ah, sei sim - afasto a ideia de eu sendo um babaca. - E você é um filho da puta do cacete. Ela estava claramente envergonhada e você nem tentou disfarçar!
- Não fui eu que tirei a roupa no corredor.
- Não fui eu que quase abaixei as calças e-
- Também não é assim, cara - ele me interrompeu. - Nem foi tuuuudo isso.
- Se esse "tuuuudo isso" é em relação à Cat e não ao que você fez - disparo -, eu juro que a minha primeira suspensão vai ser hoje.
Ele franze as sobrancelhas, mas ainda está relaxado.
- Tem certeza que você não gosta dela?
- Tenho - resmungo. - Eu saberia se gostasse.
- Tudo bem, é normal gostar de amigos, principalmente aqueles que a gente conhece a muito tempo.
- Mas eu. Não. Gosto. Dela. - fecho os olhos e imagino vários jeitos de matá-lo. - Eu só não gosto de você. - Na verdade eu te odeio. Bastante. Tipo, do fundo do meu coração.
Ele ri, mas pergunta:
- Por quê? - sua voz sai com um toque de mágoa. Talvez ele não esteja acostumado a ouvir as pessoas dizendo que não gostam dele. - Por que você não gosta de mim?
Porque você trata as pessoas com menosprezo. Porque você não dá valor ao que os outros sentem. Porque tudo o que sai da sua boca é merda, e é tanta que seu cu deve sentir inveja. Porque você dá em cima de todas as garotas da sala. Porque seu maldito cabelinho vermelho parece ridiculamente macio e suas malditas sardas deixam seu rosto interessante e seus malditos olhos azuis são lindos, e pessoas feias por dentro deveriam ser feias por fora também. Porque você vai a festas e beija todo mundo, e bebe, e não se importa com responsabilidades, como escola e garotas bêbadas por sua causa. Porque você é idiota, e brinca com as pessoas, e não desvia a porra do olhar quando as pessoas estão sem blusa. Porque você chegou e ela caiu por você imediatamente, e o fundo do poço chegou muito rápido para ela, e, por mais que ela tente esconder, o coração dela dói um pouquinho toda vez que ela lembra de você, e, acredite em mim, ela lembra bastante, porque você é o "ele" dela e está em todas as músicas da playlist favorita dela. Porque eu não consegui nada disso, mas bastou você e seu cabelinho e suas sardas e seus olhos que ela se atirou no famoso poço que é a paixão.
Abro os olhos e o encaro.
- Sei lá, só não vou com a sua cara - dou de ombros.
- Se você diz... - ele também dá de ombros.
Acabou o assunto. Não vou falar mais nada. Não vou falar mais nada.
- Você podia ser menos babaca com a Cat - murmuro.
- Certo.
Catarina sai da diretoria, com os ombros caídos. Dá um sorriso fraco e diz:
- O diretor disse pra gente voltar pra sala.
Aceno com a cabeça, e Liam estende um pouco a mão, oferecendo-a a Cat.
Ela olha, mas não segura.
Liam parece afetado com a rejeição.
Eu a observo andar pelo corredor, sem olhar para trás.
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Snap out of it
Short StoryNão era uma queda, era um penhasco. ❝I wanna grab both your shoulders and shake, baby Snap out of it❞ 19.07.2017 → #43 em Conto