A gente só se afasta quando o sinal da escola toca, sinalizando que já podemos ir para casa.
Eu não sei o que esperava. E, se eu dissesse que nunca tinha imaginado essa cena, seria mentira. Mas, apesar de já ter pensado várias vezes como a gente se beijaria, nenhum cenário corresponde a como foi. Foi, em três palavras: molhado, quente e bom. Incrivelmente bom. Do tipo que você quer repetir de novo e de novo, porque sabe que nunca vai enjoar.
Catarina está vermelha e com a respiração acelerada. Seu cabelo se soltou do coque e está bagunçado.
- Isso foi, hm - ela faz um nó com o cabelo, e é visível que procura alguma palavra, mas acaba desistindo e não fala nada.
- Foi bom. Foi muito bom. Eu gostei bastante.
Ela me encara.
- Você não tem referencial.
- Isso quer dizer que o Liam faz melhor? - assim que eu falo, percebo que isso soa ofendido demais. - Esquece, eu não preciso saber. E não acho que um referencial seja necessário, porque foi bom mesmo sem eu ter com o que comparar.
Me levanto, pronto para sair da biblioteca e voltar para casa. Aí eu lembro que ela é minha amiga e que eu gosto muito dela, e que eu não quero parar de falar com ela por causa de um beijo. Então eu viro e olho para ela.
- Vamos?
Ela abre a boca e hesita. Só concorda com a cabeça e me segue.
Andamos tão próximos que ocasionalmente nos esbarramos, mas em silêncio, porque cada um está absorto demais em seus próprios pensamentos. Queria saber no que ela pensa. Ia facilitar as coisas pra mim.
Catarina para quando chegamos no parquinho. Tem um menino e uma menina brincando na gangorra, e a caixa de areia (assim como o resto do parquinho) está cheia de folhas mortas, mas não de um jeito feio.
Eu olho para Catarina.
- Por que parou? - pergunto.
- Porque eu... - ela fecha os olhos, parecendo frustrada. Catarina sempre faz isso quando não consegue falar o que realmente quer. - Eu gosto de você, Kevin. Gosto muito. Você sabe que às vezes não tem palavra que traduz exatamente o que a gente sente, e o mais próximo que eu consigo chegar é: eu gosto de você. Pra cacete.
Ela não continua a falar.
- Mas?
- Não tem mas - eu quero duvidar, mas acho que ela está falando sério. - É isso. E o beijo foi bom, excelente. Quando eu falei do referencial, foi só pra não te deixar convencido demais, porque se eu não te conhecesse, pensaria que você pratica frequentemente. E, relembrando, eu gosto de você. Muito
- Eu também gosto de você. Pra cacete.
- Que bom.
- Eu acho que talvez eu te ame. - Ela tenta dizer alguma coisa, mas eu já deixei de dizer coisas demais, e se eu parar agora talvez nunca continue. - E eu acho que a gente devia ficar junto, mas é muito estranho falar assim. Você sempre existiu pra mim, e eu falo sério que eu não lembro da minha vida antes de você. Aliás, as melhores memórias que eu tenho tem você no meio. E eu quero que continue assim, Cat. Você é, tipo, uma das única certezas que eu tenho. Quando eu tô chateado, eu sei que você vai fazer piada ruim até eu rir. Quando eu tô ansioso, eu sei que você vai me contar todos os motivos de que eu não preciso ficar assim. Mesmo quando eu me sinto no fundo do poço, você me ajuda a sair de lá. Você é tipo o meu sol, Cat. E eu tento fazer a mesma coisa com você, mas você tem um coração tão bonito que não deve ser a mesma coisa. Ao mesmo tempo que eu quero continuar junto com você, eu gostei muito de beijar a sua boca e adoraria repetir o acontecido, então considere isso aqui um pedido formal pra ficar comigo pra sempre.
Catarina está olhando para baixo, demonstrando um interesse absurdo em suas sapatilhas vermelhas. E, quando ela fala, não é olhando diretamente para mim.
- Pra sempre é muito tempo, Kevin. E você não devia ter esse tipo de sentimento por ninguém. Fica muito fácil te machucar desse jeito. - Sua voz, fraca no começo, agora já está alta e clara. As duas crianças que brincavam na casinha de brinquedo agora nos observam avidamente. - E eu não quero te quebrar, não mesmo. Porque eu vou querer matar qualquer pessoa que te deixar triste, mas imagina se eu fizer isso. Imagina se for eu a pessoa que quebrar o seu coração. Eu não quero isso.
Ela me abraça, mas eu estou chocado demais para retribuir. Então, Catarina agarra meus ombros e diz, olhando no fundo dos meus olhos:
- Por favor, sai dessa.
Eu devo ter começado a chorar, porque a próxima coisa que ela faz é me abraçar de novo e falar "Tá tudo bem, Kev".
- Não é tão simples assim, Cat - digo, quando tenho certeza de que não vou soluçar entre as palavras. - Você não escolhe quando gosta ou deixa de gostar de alguém.
- Não é pra você parar de gostar de mim - ela retruca. - Só não coloca tanta pressão, porque eu acabei de te fazer chorar e ainda nem disse que quero ficar com você.
- Então você quer?
- Às vezes você é muito lerdo.
- Só pra conferir, vai que pega mal quando eu fizer isso.
E aí eu beijo ela, mas só um selinho na boca mesmo. Sim, foi muito brega e muito clichê, mas tem coisa que a gente tem que fazer para a) aliviar o clima e b) mudar de assunto.
E aí eu beijo ela, de verdade dessa vez.
É muito bom saber que, apesar de ainda estar com os olhos vermelhos de chorar e ter dois pirralhos te observando enquanto você beija a menina que você gosta desde sempre, essa menina quer ficar com você e se importa com o que você sente.
Ela para de me beijar e pergunta:
- A gente tá namorando, é isso?
- É, eu acho.
- Que bom - e volta a me beijar. E para de novo. - Achei que a gente ia ficar discutindo quanto ao nome da nossa relação, e que você não ia querer rotular, ou sei lá.
- Eu gosto de pensar em mim como seu namorado.
- Eu também. - Ela hesita, mas fala: - E se a gente brigar?
- Aí a gente faz as pazes.
- E se eu me mudar de cidade?
- Eu vou com você.
Ela ri, mas eu falei sério.
- E se eu parar de gostar de você ou você parar de gostar de mim?
- É uma boa pergunta que não precisa ser respondida agora.
- Logo você, sem querer responder uma pergunta?
- Tem aquele ditado que quando o amor sobe à cabeça as pessoas mudam.
- Não tem nenhum ditado assim.
- Ah, tanto faz.
A gente se beija por mais uns minutos, sentados em uma das mesinhas de xadrez que ficam no parquinho. Eu me pergunto o que será que as crianças estão comentando. Catarina para de novo.
- Kevin, você quer pagar sorvete pra sua linda namorada?
- A gente nem almoçou.
- Então vamos almoçar e depois tomar sorvete.
- Tá. Eu posso fazer macarronada, se você quiser.
Ela ri.
- Esse é pra casar.
- É, sou mesmo.
E eu adoraria concluir com alguma mensagem ou alguma reflexão, mas tudo que eu posso dizer é que estou torcendo para que minha macarronada fique boa.
Fim.
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Snap out of it
Short StoryNão era uma queda, era um penhasco. ❝I wanna grab both your shoulders and shake, baby Snap out of it❞ 19.07.2017 → #43 em Conto