4. Como eu ajudei a quebrar o coração dela

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27 de junho, sábado, 7:12 p.m

Catie: OLA KEVIN

Catie: AINDA LEMBRA DE MIM

Catie: ??

Catie: SUA MELHOR AMIGA Q VC LARGOU NA EXPECTATIVA DPS DE DIZER Q IA FALAR CM O LIAM

Visualizado às 7:15 p.m

Catie: RESPONDA, DESGRAÇA

Kevin: oi cat

Kevin: desculpa, o sinal da internet ta meio ruim

Em parte isso era verdade. Eu não estava muito afim de conversar sobre isso. E com "isso", eu quero dizer "Liam, aquele prostituto".

Catie: também, com esse vento do k7

Catie: vai chover demais, to preparando meu bote salva vidas aq

Catie: vamos tomar sorvete?

Kevin: cat, isso nao faz sentido

Kevin: [19h18 27/06] Catie: também, com esse vento do k7
[19h18 27/06] Catie: vai chover demais, to preparando meu bote salva vidas aq

Catie: faz todo o sentido do mundo

Catie: eu to arrumando meu bote pra gnt ir tomar sorvete

Catie: :)

Kevin: oquei, a gente vai

Catie: ótimo, ja to esperando aqui na frente da sua casa

Kevin: uke

Kevin: achei q ce tivesse arrumando seu bote

Catie: engraçadinho

Catie: traz um guarda chuva pq vai q ne

Kevin: vou só pegar meu casaco e ja to descendo

Peguei um moletom qualquer e desci. Realmente, Catarina estava me esperando. Seu vestido amarelo ondulava com o vento, e ela sorria.

- Oi - me cumprimentou.

- Sua loca, vai acabar passando frio.

- Meu Deus, pai, dá um tempo! - ela deu um soquinho em mim.

- Mas, filha, assim você vai chamar atenção na rua - entrei na brincadeira, fazendo uma voz meio escrota. - Esses garotos abusados vão virar o pescoço pra te ver passar.

Catarina riu. E, cara, ela fica ainda mais linda rindo.

- Vamos, Kev, temos muito que conversar.

Ofereci meu braço, e ela aceitou.

- Conversar sobre o quê? - perguntei, enquanto caminhávamos pela calçada. As nuvens cinzas e o vento forte davam ainda mais contraste ao amarelo-canário do vestido dela, e era difícil não olhar.

- Sobre, você sabe, ele.

- Ele?

- É. Ele.

- Você quer dizer "Liam"?

- Liam virou o meu "ele".

Para entender isso, temos que voltar alguns meses, quando caiu a nossa ficha que um montão de canções falam sobre um "ele". Um cara que, por mais defeitos, era lindo e maravilhoso e o amor de sua vida, pelo menos aos olhos da garota. Naquele dia, Catarina me disse que queria encontrar o "ele" dela. E, quando ela me disse que Liam virou o "ele", meu coração se apertou. Isso deve ter soado bem gay, mas é que parte de mim sempre esperava que um dia eu seria o "ele" dela.

- Não acha que está rotulando o Liam como seu "ele" cedo demais? Quer dizer, você só tem catorze anos.

- E daí? Você também tem só catorze.

- Eu não disse que achei "ela".

Um pé de vento fortíssimo passou nesse momento, talvez o Universo me contradizendo. Catarina. suspirou e tirou o cabelo do rosto.

- Tá, digamos então que ele não é o meu "ele". O que ele disse?

- Achei que ele não era "ele".

- Ele, o Liam.

- Ah, tá. Eu entendi ele, "ele".

- Mas eu disse ele.

- Ele, o Liam? - nesse ponto da conversa, eu não estava entendendo mais nada. A sorte foi que entramos na sorveteria, uma ótima desculpa para mudar de assunto. - Depois continuamos. Eu vou escolhendo a mesa e você pega os sorvetes?

- Uma bola de flocos, uma de creme de amendoim e uma de pistache? - ela perguntou, e eu fiz que sim. - Certo.

A sorveteria estava vazia, então pude sentar n'A Mesa.

A Mesa é a melhor mesa da sorveteria, incluindo na disputa as mesinhas exteriores que também não eram nada mal. A Mesa fica encostada na janela de vidro, que exibia uma linda paisagem acinzentada - tinha absoluta certeza de que Cat comentaria alguma coisa sobre a vista -. Os assentos vermelhos são grandes e confortáveis, com o encosto alto oferecendo privacidade. Por ficar perto do ar condicionado, mas não perto demais, aquele único ponto de todo o estabelecimento oferece a temperatura perfeita. A Mesa é tão perfeita que Catarina já saiu no tapa por ela (foi com a Lilian, mas isso é outra história).

- Você me deve seis e oitenta e sete, senhor - Catarina informou, empurrando minha tigela pela mesa brilhosa. Ela se sentou no banco a minha frente.

- Cobre da minha mãe, esse cara aqui está falido - respondi, pegando uma colherada de flocos. - Você é tão boa preparando sorvete que já pode trabalhar no McDonald's.

- Engraçadinho - ela pegou uma jujuba de sua tigela e colocou na boca, chupando o açúcar dos dedos. - E sobre o Liam...?

Hesitei por um momento. "Bem desagradável", no meu dicionário, está definindo como festas; Liam; cheiro de pum do meu tio Richard; dar notícias ruins em situações legais. Isso vai ser super bem desagradável, já que envolve dois dos quatro itens. Três, se incluirmos a festa que eles foram juntos.

- Não tem como falar sobre isso de um jeito bom, então eu vou falar de uma vez, como se fosse um band-aid e eu estivesse arrancando - disparei, torcendo para que ela não me interrompesse. - Ele não sente lá essas coisas por você.

A informação caiu em cima dela com um impacto visível. Os ombros caíram, o sorriso murchou, os olhos foram inundados por tristeza. Torcendo para ser só tristeza e não conter lágrimas também, completei:

- Mas, citando Liam, "ela é legal. [...] Eu pegaria ela. De novo".

"Aliás" continuei, "seria legal se você me deixasse a par do que acontece nessas festinhas. Algumas pessoas, vulgo eu, se preocupam com quem a melhor amiga, aka você, está ficando", mas só na minha cabeça mesmo.

Cat encarou a janela. Nesse momento, começou a chuviscar.

- Olha que lindo, daria uma foto super tumblr - ela comentou, tentando esconder a tristeza súbita.

A chuva foi engrossando rapidamente. Logo, uma verdadeira tempestade aquarelava a cidade, com rios furiosos nadando pelas sargetas, e cascatas fortes escorrendo dos telhados. Como escurecia, as luzes já se acendiam, provocando um efeito psicodélico e hipnotizante.

Catarina e eu, em silêncio, comíamos lentamente nossos sorvetes, observando aquela cena através do vidro molhado. Acho que ela estava assistindo a corrida das gotas pela janela, já que ela sempre faz isso.

Mas aquele monte de água mesclado com a cidade e as luzes... Aquilo era agressivo e, ao mesmo tempo, melancólico. Era violento, mas de alguma forma trazia paz. Era inescrutável, e profundo, e belo. Era Catarina.

Snap out of itOnde histórias criam vida. Descubra agora