CAPÍTULO PRIMEIRO
De Uma Galáxia Muito, Muito DistanteMas há menos tempo do que você imagina;
DARIA LILJA NÃO ERA O TIPO DE GAROTA que acreditava que sonhos possuem qualquer relação com a realidade além daquela estabelecida pela psicanálise, que afirma que eles são uma reprodução de alguma informação contida nos emaranhados mais profundos da mente, que precisa vir à superfície de alguma maneira. Mas, é claro, aos dezessete anos de idade ela não tinha muito esclarecimento sobre qualquer coisa que tangenciasse qualquer espécie de misticismo - em verdade, ela sempre fizera questão de rejeitar qualquer tipo de fantasia holística e crença sobrenatural. Era uma garota cujos pés só saíam do chão quando ela realizava algum movimento aéreo em seus ensaios de balé.
Apesar disso, qualquer um que a conhecia desde a infância a descreveria como o completo oposto. Isso porque Daria Lilja gastava boa parte de seus dias infantis fantasiando com uma vida que poderia estar vivendo - criava, a cada dia, um passado diferente para si mesma, e pintava uma perspectiva de futuro exuberante, extravagante demais para cair nas graças dos vizinhos mais velhos, que achavam que sua mãe, Lília, era jovem demais para criar duas crianças da mesma idade, e que estava permitindo que Daria e sua irmã adotiva, Elowan, se tornassem sonhadoras demais.
Os vizinhos jamais seriam capazes de compreender a necessidade de Daria Lilja de preencher os buracos em sua vida com alguma peça de informação que fizesse sentido. E não falamos aqui de buracos metafóricos que fazem analogia ao vazio interior experienciado por aqueles acometidos por picos severos de depressão, mas sim de buracos literais, onde peças enormes de informação encontravam-se faltantes. Daria Lilja sabia que ela e sua irmã adotiva haviam sido trazidas da Rússia, e criadas em uma cidade razoavelmente grande, mas relativamente insignificante para o tamanho do Brasil - e nada além disso.
O que acontece é que as pessoas gostam de saber sobre o próprio passado, e a maioria delas tem memórias que começam pela altura dos três anos de idade, e que satisfazem tal desejo de conhecimento sobre si próprias. Daria Lilja, no entanto, não tinha tal privilégio. Nas cenas da lembrança mais antiga que ela guardava, ela e Elowan já tinham oito anos de idade, e Lília já criava as duas como suas filhas. Se havia existido uma vida para ela antes disso, ela não era capaz de se lembrar.
Daí é que surgiram os passados fantasiosos - da necessidade de, em essência, ter um passado. Coisa que nenhuma das duas irmãs lembrava-se de possuir.
Daria, no entanto, crescera - ou, ao menos, era o que ela gostava de afirmar por aí - o suficiente para deixar a necessidade de lembranças e as fantasias de passado para trás. O fato é que aos dezessete anos todo mundo se acha muito esperto; e ela, que já sentia ter vivido o suficiente por duas vidas àquela altura, se achava esperta demais para acreditar em qualquer possibilidade que fugisse à realidade que ela conhecia - realidade esta onde Lília, a única pessoa capaz de manter aquela pequena família funcionando e de segurar Elowan e suas empreitadas científicas longe de problemas, havia partido daquela Terra dois anos antes, vítima de um tumor cancerígeno agressivo com o qual ela lutou por um ano inteiro. E, além de Lília e Elowan, Daria, além de não ter um passado, não tinha mais ninguém.
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341 𝑨𝒏𝒐𝒔-𝑳𝒖𝒛 | sᴛᴀʀ ᴡᴀʀs
Fanfiction[ATUALIZAÇÕES LENTAS] Há uma pequena diferença entre a imaginação da criança que brinca de Jedi e a imaginação da que realmente acredita poder ser um. Daria sempre foi o segundo tipo. Orfã e sem um sobrenome, foi criada junto de sua melhor amiga, El...