Gabriel era um cara legal, levando em conta o ambiente em que estudava. Ele e Hugo passaram as duas últimas aulas se revezando para jogar Subway Surf no celular, e Gabriel o convidou para ir embora andando.
Depois que Gabriel se despediu dos amigos, Hugo se sentiu mais à vontade para voltar a falar."Me diz uma coisa: como é que você aguenta aquele inferno que eles chamam de escola?"
Gabriel deu um sorriso olhando para frente, e apenas respondeu "Sei lá!". Ele parecia ter achado graça na pergunta.
Os garotos caminharam quietos por alguns minutos, até que Gabriel quebrou o silêncio."Ei, eu sei que é seu primeiro dia e tudo mais... Mas eu tava pensando seriamente em matar aula amanhã. A gente podia, sei lá, ir pro parque e arranjar algo pra fazer. Só nós dois, entende?"
Hugo entendeu imediatamente o que o garoto queria dizer.
"Me desculpa, de verdade... Mas eu não curto meninos." Ele terminou essa frase com um sorriso para que não parecesse um 'fora' tão terrível. Mesmo assim, a decepção no rosto de Gabriel era gritante, e Hugo se sentiu péssimo por ele.
"Mas isso não quer dizer que a gente não possa matar aula juntos! Digo... Como amigos, né não?"
"É claro!" A animação costumeira parecia ter voltado a fazer parte de Gabriel num instante. "A gente se encontra às sete, no ponto de ônibus antes da escola. Eu tenho que ir, moro virando essa rua." Disse Gabriel, gesticulando.
Hugo se despediu do novo amigo, e assim que ele sumiu de vista acendeu um cigarro. Continuou caminhando, tão perdido em pensamentos que se sobressaltou quando percebeu que já estava chegando perto de sua casa. Agora que Hugo parara para observar, aquele era um bairro feio. As casas eram antigas e decrépitas, com janelas sujas e telhados podres, e as pessoas raramente saíam na calçada. Com a exceção de um ou outro idoso parado à janela, observando o "movimento" da rua, como o velho mal-humorado que Hugo notara naquele momento. Na verdade, o velho concentrava seu olhar mais no garoto do que em qualquer outra coisa. E ele tinha um olhar assustador. Não parecia estar pensando em aposentadorias e bingos; com certeza não.
O garoto colocou seus fones de ouvido e apressou o passo, sem ter certeza do motivo pelo qual se sentia tão intimidado. Ele começou a sentir um medo incontrolável crescendo no peito, e apertou ainda mais o passo. Estava quase correndo quando deu de cara com alguém alto, e quase caiu pra trás; o homem o segurou pela cintura no último segundo."Calma aí, Guri! Viu um fantasma, foi?" Era o Cara da Jaqueta de Couro. Ele vestia a mesma roupa do dia anterior, e fedia a álcool e suor.
"Desculpa aí, eu tava com um pouco de pressa..." Respondeu Hugo, se afastando do homem, tirando o cigarro da boca e olhando para trás preocupado. Ele devia estar ficando louco.
"Tá precisando relaxar um pouco... Cê curte festas?" Hugo não respondeu, apenas observando o homem que, apesar de ter duas entradas enormes acima da testa, mexia nos cabelos que lhe caíam abaixo dos ombros. Ele lembrava algum tipo de Rock Star aposentado. - Aparece aqui em casa um dia desses. Aliás, meu nome é Eduardo, mas me chama de Ed. E você... É uma gracinha." Ed o olhou de cima a baixo, quase o comendo com os olhos.
"Eu... Preciso ir pra casa, minha mãe deve estar..." Hugo se afastou do homem que sorria para ele, e se dirigiu a sua nova casa.
Seria possível que todos os caras daquela porra de lugar eram gays? Hugo, com seu cabelo castanho curto e seu rosto forte e anguloso, sempre fora o clássico imã-de-homossexuais. Os caras pareciam achá-lo mais interessante por ele não demonstrar interesse, vai entender. Mas a verdade era que Hugo nunca havia sentido interesse de verdade por alguém, tanto garotas quanto garotos. Ele simplesmente não conseguia atrair-se fisicamente por ninguém, e chegava a se odiar por conta disso. Mas tentava esquecer de tudo isso enquanto se aproximava do portão. Ele jogou seu cigarro pela metade no chão e apagou-o com o sapato. "Não dá pra ficar pior do que isso" pensou ele, enquanto respirava fundo e abria o portão.
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Le Quartier
Korku"Ele não fazia ideia do quanto aquela casa era antiga. Ao terminar de ler o diário, Hugo soube exatamente o que faria para salvar aquelas pessoas. Mesmo que parecesse absurdamente louco." Uma família pequena com problemas financeiros, um bairro anti...