Memórias

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Quando saímos já escureceu.

-Quero mostrar-te um sítio.- disse o Felipe e estendeu-me a sua mão.

Agarrei-lhe a mão e fez-se luz. Em poucos segundos estávamos noutro sítio. Olhei para baixo e vi a areia branca e o sol que se punha. Descalço-me e enterro os meus pés na areia. Não consigo sentir nada, mas imagino como era antes e relaxo. Lembro-me que estou com o Felipe e vejo que ainda temos as mãos dadas. Retiro a minha mão com delicadeza enquanto me sinto corar, apesar de isso não ser possível, mas sei que se fosse era como estaria, envergonhada.
Ele sorri-me.

-Anda- diz ele.

E sentamo-nos na areia, enquanto vemos o por do sol e ouvimos o som das ondas. Ficamos simplesmente ali parados, a apreciar.

                                  ***

Já tinha passado algum tempo desde o pôr do sol e quase que não tínhamos trocado palavras, mas também não era preciso. Já anoitecera e as primeiras estrelas começavam a aparecer. Fecho os olhos e começo a recordar-me.

《Chuva que cai lentamente, molhando-me. Chego a uma ponte e detenho-me. Penso e tomo uma decisão. Subo o gradeamento e atiro-me.》

De repente todas a s memórias vem-me à cabeça. Lembro-me de quem sou. Lembro-me como morri. Eu tirei a minha própria vida. Se me perguntarem se me arrependo, não teria resposta para isso.
Viro-me para o Felipe.

-Lembrei-me de como morri- digo baixinho.

Os olhos dele encontram os meus e vejo um brilho. Começo a contar-lhe tudo sobre mim. A pessoa que sou. Mas, lá no fundo escondo os sentimentos.
Ele olha para mim com tristeza.

-Quem me dera ter-te conhecido antes e poder ajudar-te.-diz ele fitando-me.- acho que mereces saber como morri.

Ele olha para o céu. Isto era uma coisa que eu ouvi. Ele poderia ser como eu, ele poderia compreender-me.

-Estava a sair de uma festa. Antes que perguntes, não eu não tinha bebido. Estava escuro e não havia nenhum barulho na estrada. Aquelas horas não costumava haver ninguém naquela estrada. De repente vejo umas luzes muito fortes, os vidros partem-se e o meu corpo é projetado. A culpa não foi minha, mas sim de um condutor bêbado. Depois disso caída escuridão até encontrar a mesma luz que tu viste que também me disse que eu não estava preparado. Desde entoa tenho vagueado por este mundo. O meu funeral também já foi. Estava lá a minha família, os meus amigos, a minha namorada Kate, enfim, bastante gente, mas eu sinto que eram poucos os que realmente se importavam comigo- suspira ele.

As palavras dele pairam no ar. Namorada. Essa é a palavra que ecoa dentro de mim. Essa palavra arranha-me a garganta e sinto-me a sangrar por dentro. Foi tudo um acidente, ele nunca escolheu acabar assim, mas eu sim. Porque é que ele haveria de ser como eu? Ninguém era como eu. Eu era uma aberração, nem merecia estar aqui com ele.
Uma lágrima escorre interiormente.
Nunca ninguém me iria perceber. Será que ele preferia estar com a namorada?

-Lamento- digo enquanto a palavra me sai, arranhando a minha garganta.

Que estupidez. E eu a começar a pensar que tinha sentimentos por ele. Claro que nunca iria ser recíproco.

Perdo-me nos meus pensamentos até que sinto alguém a pegar-me na mão. É o Felipe. Ele sorri para mim e os nossos lábios aproximam-se...

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