Capítulo 3 - O meu nome é Annelise

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"J: Pensa neste assunto todos os dias?

Ela hesitou.

J: Vou repetir. Pensa neste assunto todos os dias?

A: Não existe um dia em que não pense no que me aconteceu..."

Os pesadelos persistiam, noite após noite. Acordava sempre a transpirar, sobressaltada, às vezes, lavada em lágrimas. Apenas conseguia ver fogo, sentindo a temperatura à sua volta demasiado alta para conseguir respirar. Sentia a sua mão agarrada à de outra pessoa, embora não conseguisse ver, se quer, uma sombra. O seu desespero era tão grande que só desejava acordar, e era exatamente isso que acontecia.

Inicialmente, as enfermeiras desvalorizavam a situação, quase ignorando. Agora, queriam saber cada pormenor, cada vez que acontecia.

Ela tinha criado uma grande amizade com uma das enfermeiras. Já estava acordada há mais de quatro meses, embora ainda não tivesse saído do hospital. Todas as manhãs, a sua amiga, Mariah, vinha ter consigo ao quarto, onde tomavam o pequeno-almoço juntas. Mariah ajudava-a na fisioterapia com o Dr. John. Dava-lhe imensa força e ela estava quase recuperada.

- Bem minha querida, qualquer dia estás pronta para sair daqui, pelo teu próprio pé... - dizia o Dr. John, alegremente.

Mariah ficava estática. Sempre que se falava no exterior, as enfermeiras nunca eram muito recetivas.

- Estou ansiosa que esse dia chegue! – dizia ela, enquanto se levantava, lentamente, começando a dirigir-se ao exterior da sala de recuperação.

Mariah saía com ela, e quando se via longe do fisioterapeuta, a conversa era sempre a mesma:

- Este doutor tem cada ideia... Tiveste em coma três anos! Tu tens ainda muito para recuperar...

- Eu já me sinto muito melhor Mariah! E estou ansiosa por ver a luz do dia...

***

Ao final do dia, enquanto ela e Mariah viam um filme, normalmente escolhido de forma unânime, a enfermeira mais velha do hospital, vinha trazer-lhe a medicação.

- Já não sinto dores, minha senhora... - revelava ela, tentando evitar a medicação excessiva.

- Tem de tomar, minha querida! – afirmava a velhota, abrindo-lhe a boca e colocando lá dentro os dois comprimidos que andava a tomar ao longo destes meses.

O que ninguém sabia é que, há mais de uma semana que ela escondia os comprimidos debaixo da língua e, quando se encontrava sozinha, tirava-os da boca e colocava-os no forro da fronha da almofada.

- Ficas bem? Hoje sinto-me cansada... - dizia Mariah, com um ar encovado.

- Fico, claro. Hoje estás com um ar exausto...

- Sim. Até manhã... - dizia Mariah, beijando a testa dela e saindo do quarto.

Ela fez o seu ritual, acabando por desligar tudo e adormecer.

***

O sonho repetiu-se, de novo. O fogo estava por todo o lado, sentia-se a perder o ar. A mão que apertava a sua estava mais forte, mais desesperada. Desta vez, não quis que o sonho acabasse, queria percebê-lo. Enquanto em todas as outras vezes tinha os olhos fechados, pois o fumo impedia-a de ver, desta vez abriu-os, procurando uma pista, seja do que for.

E viu onde estava. No interior de um carro, onde o volante estava mesmo junto a si. Estava com o cinto de segurança posto e tinha alguém no lugar do pendura a segurar-lhe a mão.

O fumo era demasiado espesso para conseguir ver, mas conseguia ver pela mão que segurava a sua que era um homem.

"Annelise, Annelise...", agoniava ele, em completo desespero.

E acordou. Apertou o botão, sabendo que rapidamente estaria junto a si uma enfermeira pronta a ajudá-la.

- Que se passa menina? Está bem? – perguntou a enfermeira velhota.

- Eu descobri o meu nome. O meu nome é Annelise...

AnneliseOnde histórias criam vida. Descubra agora