A primeira vez

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O rosto dela ainda estava manchado de sangue prateado. As pessoas que ela teve que matar para conseguir escapar do Palácio e chegar ao nosso abrigo, prateados que tiveram a infelicidade de atravessar o caminho da minha garotinha elétrica, agora não passavam de uma lembrança ruim.

- Eu sei como se sente - começo, limpando gentilmente com um pano limpo a bochecha dela - Não vou te dizer que vai se acostumar, mas a essa altura você não deve mais se culpar...

- Eles eram inocentes, Cal - ela me interrompe, os olhos cravados nos meus. Eu suspiro, molhando a bandagem na água morna.

- Não tão inocentes quanto você. Mare... - toco seu braço com a mão livre, mas ela recua ao meu toque, se encolhendo em sua roupa manchada. Eu sinto meu sangue ferver de raiva. Não por ela. Mas pelo meu irmão - Você não pediu para estar aqui. Para se envolver nisso tudo. Mas você já deve ter percebido que é a única que pode dar um fim nisso tudo.

Estávamos sozinhos num cômodo do abrigo fixo aparentemente seguro dos ataques que estavam acontecendo, e minha voz pairou com um eco baixo até simplesmente sumir. Eu respirei fundo, então levantei.

- Você precisa de um banho.

Ela ergueu os olhos para mim, atônita. Senti uma pontada de satisfação, mas segurei a vontade de sorrir.

- Deixe-me ajudar você.

- Cal...

- Shhhh, - pisquei para ela enquanto lhe colocava de pé, e comecei a puxar sua camisa devagar - esse é o único cômodo com banheira.

Ela hesitou no início, mas enfim cedeu. Consegui tirar a camisa que ela usava, um disfarce para escapar dos olhares sempre atentos que a cercavam no palácio. Lembro que eu a fiz usar esse uniforme vermelho. Não faz tanto tempo, mas agora parece uma eternidade.

- Venha.

Segurei a mão dela enquanto a conduzia para o cômodo mais ao fundo daquele quarto. Não era a mesma coisa que o conforto do meu palácio, mas serviria. Tranquei a porta e deixei ela à vontade enquanto ia preparar a água. Toquei a água da banheira quando esta estava cheia e comecei a aquecê-la com o vapor, um trabalho simples mas que durou mais que o normal. A verdade é que eu queria passar mais tempo com ela, aproveitar cada minuto mesmo que fosse apenas para aquecer a água do seu banho.

- Acho que já está pront...

Perdi a voz quando virei e encarei Mare completamente despida na minha frente. Pisquei várias vezes tentando provar para mim mesmo que a visão era real e me pus de pé novamente, enquanto ela se encolhia constrangida pelo meu olhar. Eu podia ver a marca que Maven deixara na clavícula dela, a prova da sua covardia. Tive vontade de explodir de raiva, mas notei que Mare não estava constrangida por causa disso. Pigarreei, passando uma mão pelo cabelo.

- Se quiser ficar sozinha...

- Não.

- Não?

- Por favor, fique, Cal.

Eu sorri, surpreso, olhando minha garota ficar sem jeito na minha frente. Talvez ela não fizesse ideia de que fosse tão linda. Ela fez seu caminho até mim, e tocou meu rosto.

- Eu quero me desculpar.

- Sabe que não precisa, Mare.

- Eu preciso, sim.

Com um suspiro dela, eu senti o quanto estava magoada. Algo se partiu dentro de mim e senti os olhos arderem, o que me forçou a desviar o olhar para o lado.

- Eu quero esquecer tudo que passei naquele palácio. Maven, ele...

- Ele não está aqui.

Retorno meu olhar para ela e, por um momento, nós dois estávamos unidos em um só propósito: destruir meu irmão. Minha mão percorreu a cintura dela, trazendo-a para mim.

Cal e Mare (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora