I

16.7K 1.3K 246
                                    


      Ao acordar pela manhã, estava completamente desnorteada, não conseguiu de inicio identificar o lugar onde estava, então viu Vivian sentada na beirada da cama observando atentamente. Se lembrou da noite passada, do frio, da confissão, do carinho e do corpo de Vivian junto ao seu. O primeiro pensamento que lhe veio a mente foi: Eu dormi com ela, literalmente dormi.  E a sensação era boa, muito boa.

    A outra não sorria, só olhava para ela com a cara preocupada.

___Bom dia Ruth. Eu te acordei como me pediu, mas confesso que não queria fazer.

___Bom dia Vivian, obrigada, acho melhor eu ir agora.

___Não sem antes tomar café.

      Em cima da cômoda havia uma bandeja com café da manhã, Vivian foi buscar e colocou no colo de Ruth. Era um banquete, considerando o pouco que costumava comer pela manhã. Ali tinha torradas, algumas com manteiga outras com geleia, café, queijo branco, maçã cortada em cubos, leite e no meio da bandeja dentro de um copinho de plástico, estava um flor desenhada com caneta vermelha. Achou aquilo tão fofo, era mesmo a cara de Vivian fazer esse tipo de coisa, mesmo que ela não se achasse merecedora.

___Caramba Vivian, tem muita coisa aqui, obrigada, adorei a flor.

___Por nada, não queria que fosse para casa sem comer. Ah, eu não tenho um jardim como seu para pegar uma flor, essa ai tem que servir.

     Só agora se dava conta de como estava faminta, faziam quase 24 horas que não comia nada substancial, devorou quase tudo que a outra levou.

      Achou estranho o silencio de Vivian, não que esperasse que outra tagarelasse sem parar as 5 da manhã, mas ao menos algum comentário poderia fazer, o problema é que ela ficava só olhando com aquela cara séria, sem nem ao menos um sorriso. Será que tinha se arrependido de ajudar? Ficou apreensiva. Tentou se levantar, mas o corpo todo doeu e uma tontura forte fez a cabeça rodar.

___Ruth, o que foi? Você esta bem?

___Foi só uma tontura.

___Levanta devagar, ainda esta cedo.

     Fez Ruth encostar na cabeceira da cama. E então perguntou.

___Vai me contar o que aconteceu para você sair de casa assim?

     Não sabia o que dizer, tinha vergonha de dizer a verdade e sentia se mal em mentir. Resolveu seguir um ditado que sua mãe sempre dizia:" na falta de não saber o que dizer, diga sempre a verdade."

___Meu marido não é a pessoa tão boa que todos na igreja pensam, quando chegou em casa e não viu a jantar pronto, se irritou, tentei argumentar e ele me colocou para dormir fora de casa. Por isso eu estava na praça, por isso não podia voltar para casa e ainda me proibiu de pedir ajuda.

___E ele bateu em você.

     Não foi uma pergunta e sim uma afirmação. Vivian tocou o canto da boca onde Ezequiel havia batido.

___Por que você aguenta isso tudo? Por que não denuncia ele para o policia? Por que não larga desse animal de uma vez?

      Ela já havia se feito essa pergunta um monte de vezes e a resposta era sempre a mesma.

___Porque não tenho para onde ir. Minha família não me aceitaria, não tenho emprego e como não estudei até me formar, seria bem difícil conseguir algo. Eu dependo dele.

___Que droga Ruth, você tem a mim. Eu cuido de você, não tem que voltar para lá.

      Era tentador, muito tentador, mas não era a solução certa nesse momento, e talvez nunca seria. O que Ezequiel faria com Vivian se soubesse que Ruth havia largado dele para ficar com ela. Tinha medo de Ezequiel, as vezes ele parecia um psicopata. Também tinha mais coisas envolvidas.

___Eu não posso. Eu sairia de uma relação onde dependo dele e entraria em uma onde dependeria de você.

     Vivian olhou ofendida para Ruth.

___Eu não sou como ele, nunca te machucaria.

___Não disse isso, mas e se um dia você cansasse de mim? O que eu faria?Ficaria comigo por pena? Eu não ia suportar isso, seria pior que as torturas de Ezequiel, preciso arrumar um jeito de  me sustentar e existe a igreja, você pode até não entender, mas foi a igreja, a fé que manteve a minha sanidade esses anos todos casada com aquele monstro. Preciso arrumar um jeito de tirar ele da igreja, de mostrar a todos que ele não merece estar ali.

      O que mais poderia dizer? Não era mais uma adolescente que pularia a janela de casa para fugir do pai carrasco, era uma mulher e media cada ato e suas consequências, inclusive pensando na segurança de Vivian.

___Eu não quero que nada de ruim te aconteça. Vivian. Agora eu realmente preciso ir.

     A outra não disse mais nada, mas percebia pelo olhar, que estava triste. Tudo que Ruth sentia por ela veio a tona de uma vez, carinho, amor, amizade, paixão, medo. Levantou com cuidado e se dirigiu até a porta para ir embora. Vivian se mantinha de costas para ela. Então Ruth voltou, abraçou a outra pelas costas, encostou a cabeça no ombro e depois fez ela se virar ficando de frente. Viu as lágrimas que teimavam em cair dos olhos de Viviam  e por mais que ela tentasse segurar, seus olhos também se encheram d'agua. Deu abraço  forte e por fim um beijo de leve e sussurrou no ouvido de Vivian.

___Eu amo você, para sempre!

     E então foi embora, enfrentar mais um dia terrível, mas levou duas coisas consigo, a flor desenhada e sabor do beijo Vivian misturado as lágrimas.





A Mulher do PastorOnde histórias criam vida. Descubra agora